Há uma frase do ex-chanceler alemão Helmut Schmidt (1918-2015) que costumo sempre levar em conta no dia a dia. "Políticos e jornalistas compartilham um triste destino: eles precisam falar hoje sobre coisas que só compreenderão plenamente amanhã", disse, certa feita, sobre a dificuldade de analisar situações sem o devido distanciamento histórico. E a seca intensa que castiga o 2024 no Distrito Federal é mais um daqueles exemplos que só saberemos os reais efeitos nos próximos meses.
Os impactos na agricultura, verbi gratia, só poderão ser mensurados no ano que vem. Como ainda é impossível saber quando a estiagem vai terminar e como será o período chuvoso, produtores rurais traçam estratégias para mitigar a escassez de água. A redução da área plantada é uma das medidas mais utilizadas no momento. Na última crise hídrica vivenciada pelo DF, em 2017, o tamanho das plantações reduziu em 30%, segundo estudo da Emater à época.
Dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (Ana), atualizados diariamente, mostram que o volume do reservatório de Santa Maria está bem abaixo dos anos anteriores. Em 2020, em 19 de setembro, o índice era 94,5%; em 2021, 86,8%; em 2022, 80%; e ano passado, 61,4%. Ontem, o sistema que abastece 19% da população da capital federal marcava exatos 44,2%. Um cenário que começa a se mostrar preocupante.
Vivenciamos dias extremos nesta semana, com a fumaça dos incêndios florestais e temperatura nas alturas. Na manhã de terça-feira, por exemplo, a sensação de sufocamento era sentida por milhares de pessoas na Asa Norte, Noroeste e começo do Lago Norte, graças à fuligem e ao ar carregado. Entre domingo e quarta, a sujeira no ar chegou a ficar 11 vezes e meia acima da recomendada pela Organização Mundial da Saúde, a OMS. Emergências de hospitais públicos e particulares ficaram lotadas com pacientes com problemas respiratórios.
Era dos extremos é uma expressão que se tornou célebre pelo historiador britânico Eric Hobsbawm, em um ensaio panorâmico sobre o mundo entre a Primeira Guerra Mundial e a queda da União Soviética. De orientação marxista, Hobsbawm sempre se preocupou com as desigualdades sociais em uma perspectiva cronológica. Agora, com a crise climática que vivemos, poderia detalhar o impacto da escassez de água, a perda de terras férteis e os eventos extremos, se vivo estivesse, em um olhar de historiador. O tal distanciamento que políticos e jornalistas não têm, como bem disse Helmut Schmidt lá nos anos 1990.
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