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Visão do Correio: Brasil sofre com inércia climática

Mais de 60% do país está sob risco de queimadas. Trata-se, sem dúvidas, de um momento crítico, mas não imprevisível

Um bombeiro combate um incêndio florestal na aldeia de Veiga, em Águeda, Aveiro, a 17 de setembro de 2024       -  (crédito: PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP)
Um bombeiro combate um incêndio florestal na aldeia de Veiga, em Águeda, Aveiro, a 17 de setembro de 2024 - (crédito: PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP)

OBrasil não está 100% preparado para lidar com eventos extremos, afirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante reunião, na terça-feira, com ministros e representantes do Legislativo e Judiciário. O encontro com integrantes dos Três Poderes se deu justamente porque 60% do país está sob risco de queimadas, admite também o Executivo federal. Trata-se, sem dúvidas, de um momento crítico, mas não imprevisível. Por isso, esperam-se de gestores públicos respostas que não se limitem ao campo da desprevenção ou do sobressalto.

Não é de agora que "a natureza resolveu mostrar suas garras", como avalia Lula. Dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) mostram que, de 1985 e 2023, 88 milhões de hectares do Cerrado foram devastados por incêndios, o equivalente a 43% de toda a extensão do bioma. A Amazônia, por sua vez, registrou em 2023 o segundo pior ano de queimadas dos últimos 25 anos, perdendo apenas para 2022: 20 mil queimadas contra 21 mil, indica levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Cerrado e Amazônia sofreram 91% das queimadas que ocorreram no Brasil em 2023, segundo o Ipam, e ardem novamente em chamas neste ano.

Para além das queimadas, estudo da Confederação Nacional de Municípios (CNM) revela que, nos últimos 10 anos, 93% dos municípios brasileiros foram atingidos por algum desastre climático — principalmente tempestades, inundações, enxurradas e alagamentos. A tragédia climática que assolou o Rio Grande do Sul a partir de abril, portanto, também não pode ser creditada apenas ao inesperado. No auge da crise gaúcha,  falou-se muito sobre a importância de fortalecer a Defesa Civil e ter um estruturado plano de enfrentamento às mudanças do clima. As mesmas soluções são ventiladas agora, como reação ao fogo que se espalha sem controle pelo país.

A crise entre os Poderes e a polarização política também se repetem, reforçando a expectativa de que se aproxima o desfecho usual: a adoção desenfreada de medidas emergenciais — por vezes, desencontradas —, sem uma política de continuidade que considere a  diversidade de ações que um problema complexo e cada vez mais presente na agenda global exige.

Relatório do Climate Central divulgado ontem mostra que, de junho a agosto deste ano, 25% da população global, cerca de 2 bilhões de pessoas, experimentou 30 ou mais dias de calor arriscado. No mesmo período, 72 países registraram recordes de temperatura. Não à toa, as Nações Unidas consideram que a crise ambiental provocada pela ação humana abriu "as portas do inferno", com a possibilidade de aumento de 250 mil mortes por ano devido às mudanças climáticas. 

No Brasil, de 2000 a 2020, ao menos 50 mil pessoas morreram em regiões metropolitanas devido a complicações ligadas às ondas de calor. A estimativa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é mais uma evidência de que impera no país uma inércia sobre questões ligadas ao meio ambiente. Vale lembrar que, em 1992, o Brasil se colocou na vanguarda da pauta ambiental ao sediar, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a ECO-92, as discussões das premissas do desenvolvimento sustentável. Passados 32 anos, porém, seguimos apenas apagando fogo.

 


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postado em 19/09/2024 06:00
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