Artigo

O desafio da educação diante da emergência climática

A educação sobre a emergência climática deve opor-se à abordagem convencional que dita os princípios fundamentais de cada disciplina, cada vez mais burocratizada e sujeita às prescrições regulamentares e programáticas

Mudança climática traz alívio em relação à baixa umidade e abranda as temperaturas -  (crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press)
Mudança climática traz alívio em relação à baixa umidade e abranda as temperaturas - (crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press)

» ALFREDO PENA-VEGA — Professor, pesquisador da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais/CNRS, na França e diretor científico do Programa Global Youth Climate Pact 

» IZABEL PETRAGLIA — Doutora em educação, professora, pesquisadora e diretora do Centro de Estudos e Pesquisas Edgar Morin no Brasil

O mundo atravessa um período turbulento e todos os ingredientes estão dados para uma série de desafios futuros. Numa altura em que os efeitos do aquecimento global parecem incontroláveis — fenômenos excepcionais, aumento de temperaturas, inundações, secas, incêndios —, estamos diante de um novo desafio: a educação sobre a emergência climática. Se por um lado, temos evidências científicas robustas e conhecimento a favor de políticas públicas para mitigar o aquecimento global; por outro, ainda não vemos vontade política suficiente para lutar contra as perturbações climáticas e suas consequências.

Os jovens de hoje são os primeiros a serem afetados pelo desenvolvimento que interfere em suas condições de vida, não só no futuro próximo, como no presente. A consciência ecológica desse segmento sobre a ação climática é fundamental devido a vários fatores. Em primeiro lugar, a juventude tem importância demográfica considerável em todo o mundo. De acordo com dados da  Organização das Nações Unidas (ONU), a população global de jovens entre 15 e 24 anos é estimada em mais de 1,8 bilhão de pessoas, cerca de um quarto da população mundial. No Brasil, os jovens dessa faixa etária representam cerca de 15 a 20% da população brasileira, de acordo com dados do IBGE, ou seja, 40 milhões de pessoas, aproximadamente. Esse peso demográfico dá aos jovens brasileiros o potencial para moldar a trajetória presente e futura da ação climática, como também lhes permite contribuir para o avanço tecnocientífico, cultural e econômico do país.

Apesar disso, a emergência climática está ausente no contexto educacional brasileiro. A grave situação dos fenômenos climáticos globais não nos exigiria uma tomada de consciência imediata? Os múltiplos impactos nas atividades humanas, por si só, não deveriam estar presentes na escola? Infelizmente, o que se aprende e o que se ensina sobre educação para o meio ambiente não é suficiente, diante dos incontáveis desafios da atualidade. A educação sobre as alterações climáticas deveria estar comprometida a encorajar a mente humana a contextualizar e globalizar, ou seja, religar informação e conhecimento nos contextos locais e globais. Mais do que nunca, o desafio da educação é instigar as mentes das gerações atuais para os desafios do futuro.

De certa forma, a questão não é tanto preparar o aluno, mas sim, refletir sobre quais e de que modo a transmissão e a organização do conhecimento ocorrem para promover a capacidade natural e criativa da mente humana de contextualizar e globalizar fenômenos complexos. Nesse sentido, a educação e os professores devem reinventar-se. Políticas públicas formativas devem constituir-se em ações urgentes no universo educacional. Fenômenos complexos como as mudanças climáticas não podem mais ser tratados de forma unidimensional e linear, mas compreendidos de forma descompartimentada e transdisciplinar.

A educação sobre a emergência climática deve opor-se à abordagem convencional que dita os princípios fundamentais de cada disciplina, cada vez mais burocratizada e sujeita às prescrições regulamentares e programáticas. Os princípios de uma pedagogia criativa enfatizam, em vez disso, o diálogo de conhecimentos entre cientistas, professores, estudantes e comunidade por meio de uma pluralidade de temas ligados aos fenômenos das alterações climáticas. 

O que importa nesse diálogo é a capacidade reflexiva do aluno articular e organizar o conhecimento. Que o jovem seja capaz de realizar conexões, interações e analisar implicações mútuas. Por que é necessário que eles compreendam os problemas em sua multidimensionalidade complexa, em seu contexto e globalmente? O objetivo dessa prática reflexiva não é que os alunos sejam especialistas em clima, mas sim, que compreendam questões interdependentes que vão além do clima, seja em nível local, regional, ou seja global. Todos devem se considerar parte e todo do mesmo contexto, uno e múltiplo, simultaneamente. Essa é uma mudança cognitiva profunda.

Com base em pesquisa recente, realizada com estudantes brasileiros do ensino médio, em âmbito do programa Global Youth Climate Pact sobre suas percepções sobre a emergência climática, 47,8% dos jovens acreditam que os efeitos das mudanças climáticas que estão vivenciando, ou irão vivenciar, são muito negativos, 19,8% os consideram negativos. Quanto à importância de preparar os jovens de sua idade por meio de um programa específico sobre emergência climática, 90% dos inquiridos responderam que deveriam preparar-se. E quando perguntados sobre quais poderiam ser os elementos deste programa, 60% acreditam que deveriam ser transmitidas informações específicas sobre o fenômeno.

A mudança crescente nas temperaturas globais não é uma surpresa. O que é surpreendente é que continuamos a fazer isso sem agir com urgência para enfrentar o desafio. A mudança e a conscientização da importância estão em nossas mãos.

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postado em 16/09/2024 06:00
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