OPINIÃO

Brasília e a seca

O famoso céu da capital se transformou em literal fumaça. Ficou difícil respirar. Essa, definitivamente, não era a memória das nossas infâncias.

De uma maneira agridoce, a seca faz parte de Brasília -  (crédito: Luiza Marinho/CB/D.A Press )
De uma maneira agridoce, a seca faz parte de Brasília - (crédito: Luiza Marinho/CB/D.A Press )

O clima do Distrito Federal em setembro não é fácil. A seca é extrema. Níveis de umidade baixam a números alarmantes. A sensação de deserto é tão violenta, que sintomas físicos deixam as pessoas doentes. Rinite, nariz sangrando, olhos ardendo. Para alguns, o cenário é de verdadeira tortura. Não se preocupe, não existirá aqui uma tentativa de defender a seca, mas, sim, de fazer as pazes com ela.

O que proponho é uma bandeira branca para os meses de estiagem. Entendo os inimigos mortais da seca — de coração, é um entendimento genuíno. Não obstante, minha relação com a baixa umidade nunca foi de desconforto, pelo contrário. Enquanto os posts nas redes sociais, ou reclamações nas conversas de elevador, apontam para os lados negativos do inverno brasiliense, não posso evitar em sentir certa simpatia pelos dias de ardência no meio do ano.

A seca me lembra bons dias de infância. Em que ia passar o fim de semana na casa da minha avó na Vila Planalto e passava as tardes andando de bicicleta ao redor da Concha Acústica. Lembro de todo mundo reclamando do calor, mas me sentia tão energizado. Lembro de uma tia comentar: "Esse menino é brasiliense mesmo".

Quando, na escola, os professores — sempre heróis — tentavam aplacar o calor levando a turma para o pátio. O ventinho morno batia enquanto aprendíamos detalhes do ciclo d'água (a ironia da vida). Outra memória: passar as férias de julho assistindo a filmes da tarde com a TV na varanda de casa. Apoiava a tela do computador, ainda o PC, pela janela e ficava balançando na rede vendo as histórias melosas de romance. 

A cereja do bolo dessas memórias era o cheirinho "de chuva" no fim da época de seca. Imagine só: pôr do Sol por volta das 18h, e aquele odor tão característico da chuva que vem caindo na vizinhança. Em resumo, os meses de estiagem marcaram minha infância. Talvez por isso não me incomode muito. Lembra-me de um tempo mais simples, sem complicações, quando tudo era mais suave e menos caótico. 

De uma maneira agridoce, a seca faz parte de Brasília. Sem ela não teríamos os ipês-amarelos, os passeios de fim de tarde no mezanino da Torre, os lanches noturno nos estacionamentos de alguma lanchonete.

Neste ano, em especial, a seca veio acompanhada das queimadas. Levantamento da organização MapBiomas apontou que 2024 teve o dobro de focos de incêndios registrados no mesmo período (janeiro a agosto) em 2023. O famoso céu da capital se transformou em literal fumaça. Ficou difícil respirar. Essa, definitivamente, não era a memória das nossas infâncias.

O equilíbrio do clima neste planeta é delicado, todo mundo já sabe. Tantas discussões relacionadas ao tema parecem tão ultrapassadas, mas nada muda. Na verdade, parece ficar pior. Queimadas, desmatamentos. Ações humanas transformam o futuro em uma ameaça, e não em uma boa memória do passado. 

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postado em 16/09/2024 06:00
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