MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES — Pesquisador da Embrapa Agroenergia
As queimadas e incêndios florestais tornaram-se sérios desafios ambientais, com impactos devastadores sobre a biodiversidade, a economia e a saúde pública. A frequência e intensidade desses eventos são amplificadas por mudanças climáticas, uso desordenado dos recursos naturais e urbanização descontrolada, criando condições propícias para a propagação do fogo e exacerbando uma crise ambiental global. Estudos indicam que a frequência e a intensidade desses eventos dobraram nas últimas duas décadas, e podem aumentar em até 50% até o fim do século.
Comprovando essa realidade, o Brasil enfrenta uma das secas mais severas de sua história recente, com a propagação descontrolada do fogo em praticamente todas as regiões. No acumulado de 2024, houve um aumento de 50% no número de incêndios em comparação ao mesmo período de 2023. Até o fim de agosto, foram registrados cerca de 140 mil focos em todo o país, com graves impactos ao meio ambiente e à economia, além de riscos à saúde pública devido à fumaça e poluição.
Essa realidade nos mostra que as abordagens convencionais de combate ao fogo, baseadas mais em reação do que em prevenção, estão se revelando insuficientes diante da crescente magnitude e severidade desses eventos. Para inovar nesse campo, é crucial mudar o foco do combate reativo e direto para sistemas inteligentes com ênfase em planejamento, prevenção e manejo da biomassa inflamável.
O uso de tecnologias avançadas, como drones, satélites, redes de sensores conectados por Internet das Coisas (IoT) e inteligência artificial, permite monitorar áreas vulneráveis em tempo real, detectando focos de incêndio antes que se tornem incontroláveis. A modelagem preditiva, que considera fatores como clima e disponibilidade de material combustível, também é essencial para prever a probabilidade de incêndios e antecipar seu início e propagação.
Além disso, a remoção de material inflamável por meio de queimadas controladas, pastoreio e automação no manejo de vegetação é fundamental para reduzir a biomassa suscetível ao fogo. A construção de infraestrutura resiliente, como aceiros e zonas tampão, associada a um planejamento urbano que evite a expansão desordenada em áreas de risco, é igualmente imprescindível. A restauração de ecossistemas degradados e o envolvimento das comunidades locais no manejo sustentável também são essenciais para mitigar os riscos, fortalecendo a resposta coordenada e preventiva.
Ao olharmos para o futuro, é impossível ignorar que grande parte da biomassa destruída pelos incêndios pode ser matéria-prima valiosa, capaz de fomentar o desenvolvimento de uma bioeconomia sustentável. Plantas invasoras, resíduos florestais, restos de colheitas e outras biomassas que alimentam os incêndios podem ser convertidos em matéria-prima para a produção de energia renovável e variados bioprodutos.
No entanto, a viabilização do uso da biomassa residual como recurso sustentável enfrenta diversos desafios práticos. Primeiramente, a logística de coleta e transporte dos resíduos é complexa, especialmente em áreas rurais ou remotas. Ademais, a variabilidade na qualidade e quantidade da biomassa disponível, influenciada por fatores climáticos e sazonais, representa um gargalo adicional, exigindo planejamento e logística sofisticados.
Outro desafio significativo é a necessidade de conscientização e capacitação das comunidades locais sobre as práticas de manejo sustentável e os benefícios da recuperação de biomassa, o que requer investimentos em educação e treinamento. E mais importante, a integração entre agricultores, empresas, comunidades e governos, que é crucial para superação das limitações acima, pode ser dificultada por interesses divergentes e pela falta de políticas públicas que incentivem essa colaboração.
Apesar de tantos desafios, não há alternativa senão adotar uma abordagem inteligente e coordenada para conter o avanço alarmante das queimadas e dos incêndios florestais. A combinação de modelagem avançada, monitoramento e prevenção, com práticas de manejo e uso econômico de biomassa suscetível ao fogo é praticamente o único caminho para se conter incêndios frente à inevitável intensificação da crise climática.
Com leis severas que coíbam incêndios criminosos, políticas públicas robustas e incentivos econômicos adequados, aliados ao uso de tecnologias avançadas para monitoramento e prevenção, podemos transformar um problema ambiental grave em uma oportunidade de desenvolvimento sustentável. O manejo e o uso inteligente da biomassa inflamável compõem um caminho desafiador, mas possível.
Por fim, a ação coordenada entre governos, comunidades locais e o setor privado, juntamente com programas de capacitação e educação sobre práticas de manejo e prevenção, é essencial. A chave para superar essa crise está na inovação, na ousadia e no compromisso coletivo com um futuro mais resiliente e equilibrado para nossos ecossistemas.
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