Noutro dia, o Correio noticiou que pesquisadores descobriram uma proteína associada à longevidade. Alguém comentou: "O que adianta viver mais, se vamos todos virar carvão?". A dúvida é legítima. Principalmente em um cenário de filme de catástrofe como o atual. Mês a mês, há quebras de recorde de calor; no Brasil, cinco mil focos de incêndio consomem a vegetação, matam a fauna, intoxicam nossos pulmões e empalidecem a paisagem, coberta pela névoa de fumaça.
Em uma audiência no Supremo Tribunal Federal, o ministro Flávio Dino falou em "pandemia de incêndios" e responsabilizou as atividades humanas pelo aumento considerável nas ocorrências do tipo. Nos primeiros 10 dias de setembro, o número de focos já é três vezes maior que no mesmo período do ano passado.
O cientista Carlos Nobre, referência internacional em questões climáticas, desconfia de ações coordenadas em resposta a um aumento na fiscalização ambiental. O presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, defende penas mais pesadas para incêndios criminosos — uma das medidas estudadas pelo governo é confiscar a terra dos mandantes, segundo a ministra do meio ambiente, Marina Silva.
Além das ações criminosas — que precisam ser investigadas e punidas severamente —, o ser humano está por trás da grande fogueira em que o país vem se transformando pelas ações predatórias que levam às mudanças climáticas. Nem o fenômeno natural de resfriamento La Niña, previsto para o último trimestre de 2024, será suficiente para por fim em um calor artificialmente criado por emissões desenfreadas de gases de efeito estufa.
Ontem, a secretária-geral da Organização Meteorológica Mundial (OMM), Celeste Saulo, admitiu que é possível um evento de resfriamento de curto prazo. Mas deixou claro: "Isso não alterará a tendência de aumento das temperaturas globais, impulsionada pelos gases de efeito estufa que retêm calor na atmosfera".
O governo brasileiro anunciou uma série de medidas para conter os focos de incêndio, como aumento no número do efetivo na linha de frente do combate às queimadas e envio de aviões às áreas atingidas. Obviamente, são ações extremamente necessárias. Mas não adianta apagar o fogo e continuar riscando o fósforo. Porque é isso que uma política climática pouco corajosa e ambiciosa faz, ao ignorar que a mudança no uso do solo — explorado para alimentar rebanho e produzir soja para ração — é a principal causa de emissões de gases de efeito estufa no Brasil.
Como disse o leitor do Correio, é, no mínimo, curioso que a população almeje viver mais, quando as previsões climáticas são as piores possíveis. Não é de proteína da longevidade que precisamos, mas de uma humanidade que pare de superexplorar e sufocar o único lugar que tem para viver.
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