Falar de assédio é pisar em ovos. Tecnicamente, é impossível não quebrá-los ao se passar por eles. Recorro ao clichê para dizer que, antes de tudo, é de uma delicadeza ímpar tratar desses episódios. Impossível não correr riscos. E eles estão por todos os lados. A isenção neste caso mora unicamente na possibilidade de reflexão. Nem só das condutas das vítimas e dos agressores, mas de toda a sociedade.
Se você experimentar, como eu, rolar o scroll de comentários em cada postagem — nas redes sociais, ambientes tóxicos, mas profundamente esclarecedores em relação à sociedade — vai perceber que nem tudo diz respeito aos fatos, mas à interpretação deles.
Como reagimos a uma notícia como essa? Em um momento, incredulidade; noutro, raiva; mais na frente, tristeza. Até o apagamento de todas as emoções para chegar à conclusão óbvia do que a materialidade (números, pesquisas, relatos e afins) nos diz: o assédio às mulheres não tem cara, raça, classe social, credo, origem geográfica. Ele vem do machismo estrutural, não de uma doença ou distúrbio individual. É coletivo, perverso e nos mostra o quanto nós, mulheres, estamos sujeitas a encontrar qualquer um que acha ter como direito nosso corpo.
Também estou chocada e triste como você com a acusação de assédio sexual contra o ex-ministro de Direitos Humanos, Silvio Almeida. E acredito que ele tenha todo direito à defesa. Mas estou e sou sempre solidária às vítimas — seja a ministra Anielle Franco, sejam todas as outras que estão no anonimato, igualmente feridas. A elas, meu mais profundo respeito.
Mas existe uma reflexão maior que precisamos fazer. Ela está presente nos comentários e reações. Há quem duvide das vítimas sem qualquer chance de defesa; a quem faça disso palanque para destilar veneno político; a quem transforme o agressor em réu de praça pública e não na justiça. Há todo tipo de leviandade.
E tudo isso deveria ser material rico para entendermos a sociedade em que vivemos. Um estudo claro e honesto da repercussão — e não do fato — talvez nos trouxesse luz ao momento e ao que somos como conjunto de seres humanos. Não se trata apenas do "de que lado você está?" ou "em quem acredita?" ou ainda "quem você apoia". É sobre o principal: como o machismo castiga mulheres, homens, famílias – muito mais as mulheres, é preciso que se diga, que morrem e são agredidas todos os dias por isso.
Entender isso é um exercício diário. Essa reflexão deve estar nas escolas, nas famílias, nas rodas de amigos. Sem isso, seremos papagaios eternos de redes sociais, destilando ódio, veneno e ignorância a cada novo caso que vem a público.
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