Relações Exteriores

Visão do Correio: Brasil destoa em crise venezuelana

O governo brasileiro perdeu o tempo de reação e a figura de mediador na crise que acomete a Venezuela. O risco agora é de que qualquer medida mais robusta que venha a ser tomada não tenha relevância política

entrelinhas venezuela -  (crédito: Kleber)
entrelinhas venezuela - (crédito: Kleber)

Em nota conjunta que critica a ordem de prisão de Edmundo González Urrutia, opositor do presidente venezuelano, Brasil e Colômbia sobem o tom contra os exageros praticados por Nicolás Maduro desde que ele se proclamou vencedor de uma eleição contestada dentro e fora do país. A reação é bem-vinda, mas segue desafinada. Destoa com o que de fato acontece na nação vizinha, que está à beira de uma ruptura democrática. 

Enquanto o texto fala em "profunda preocupação" com a ordem de apreensão emitida pela Justiça venezuelana, parlamentares, de maioria governista, estão prestes a aprovar um pacote "contra o fascismo" que prevê, entre outras medidas autoritárias, a punição a manifestações populares e divulgações de notícias contrárias a Maduro. Em outra frente, a onda de repressão pelo país segue em alta, somando, desde o fim de julho, quase 30 mortos e 2,5 mil detidos — incluindo adolescentes.

O assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, Celso Amorim, afirmou que não se pode negar a ocorrência "de uma escalada autoritária na Venezuela" e que o governo brasileiro não aceita prisões políticas, em referência a um possível encarceramento de González Urrutia. Organizações de direitos humanos e opositores, porém, vêm ressaltando que as detenções ocorridas desde as eleições presidenciais de 28 de julho têm caráter político. Presos foram levados, inclusive, a centros de tortura, como o Helicoide, na capital Caracas, sem direito a contato com advogados e familiares.

A reação de outros países ao mais novo desdobramento das eleições venezuelanas também sinaliza um descompasso brasileiro e colombiano com o momento atual. Estados Unidos, União Europeia (UE), nove países da América Latina — Argentina, Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai — e a Organização dos Estados Americanos (OEA) consideram a decisão de prender o opositor de Maduro, procurado por cometer crimes como "conspiração" e "sabotagem", uma perseguição política. 

Washington, que não mantém relações com Caracas há cinco anos, estuda implementar novas sanções "para mostrar a Maduro e a seus representantes que suas ações ilegítimas e repressivas na Venezuela têm consequências", segundo o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Matthew Miller. Na semana passada, ministros europeus discutiram a adoção de medidas mais robustas contra o país latino, mas não chegaram a um acordo. Há ainda a possibilidade de uma ação do Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o regime de Maduro. 

O diálogo é condição pressuposta na diplomacia. Em se tratando de países que dividem fronteiras, ainda mais. Mas espera-se  do governo brasileiro estratégias mais eficazes na política externa diante da falta de abertura para conversas ponderadas. Empurrar a solução com a barriga para não se indispor com o país vizinho não é uma delas.

  O Planalto perdeu o tempo de reação e a figura de mediador na crise que acomete a Venezuela. O risco agora é de que, à essa altura, qualquer medida mais robusta que venha a ser tomada pelo governo brasileiro não tenha relevância política e efeitos práticos. O papel de líder regional e de país conciliador da América Latina está em xeque. 

 

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 05/09/2024 06:00
x