ADALBERTO LUIS VAL — Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa ) e vice-presidente regional Norte da Academia Brasileira de Ciências
TIAGO DA MOTA E SILVA — Jornalista, doutor em comunicação e semiótica e pesquisador bolsista do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre a Adaptação da Biota Aquática da Amazônia
O Brasil está em chamas, e o nosso céu está coberto de fumaça. Somente de 19 a 23 de agosto, houve um aumento significativo nos registros de focos de incêndio em várias regiões do país: um crescimento de 338% no estado de São Paulo e de 236% em Mato Grosso, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas (INPE). Ao longo do mês, o estado do Amazonas também enfrentou um aumento considerável nas queimadas, com mais de 7 mil focos de calor, comparados aos 4 mil de agosto do ano passado. O problema também atinge o Distrito Federal. Esses recordes consecutivos de incêndios pelo país exigem uma resposta enérgica das instituições brasileiras, uma verdadeira postura de intolerância em relação ao fogo.
As consequências da fumaça para a saúde humana são evidentes, mas, por vezes, o óbvio precisa ser reiterado. Dados de saúde pública indicam que entre 2009 e 2019, mais de 1,5 milhão de hospitalizações foram causadas por afecções respiratórias resultantes dos incêndios na Amazônia. Contudo, os efeitos negativos não se limitam ao ar; estudos têm mostrado impactos adversos da fumaça também na qualidade da água.
Por exemplo, um monitoramento realizado na bacia do rio Kananaskis, no Canadá, ao longo de 18 anos, revelou uma deterioração na qualidade da água devido à fumaça, mesmo em corpos d'água distantes dos focos de incêndio. Revisões de literatura têm demonstrado que o fogo e a fumaça causam alterações na água e em suas características físico-químicas, incluindo aumento da temperatura e diminuição do oxigênio dissolvido, o que pode provocar efeitos negativos de longo prazo na biodiversidade local e no abastecimento de água potável para a população.
Para evitar que meses, como agosto, se tornem recorrentes, é fundamental entender que o recorde de queimadas, assim como as mudanças climáticas, é uma consequência das ações humanas. O aumento das temperaturas médias globais intensifica as secas, que, por sua vez, facilitam a propagação do fogo. Um estudo que monitorou uma área no Parque Nacional do Jaú, no Amazonas, identificou que a grande maioria dos incêndios ocorridos na região ao longo de 35 anos está associada ao El Niño, fenômeno de aquecimento do Oceano Pacífico que reduz o índice de chuvas na Amazônia Ocidental, resultando em secas severas. Em períodos de clima mais seco, os incêndios iniciados por ação humana se espalham facilmente e ganham grandes proporções. O aquecimento global tem agravado a frequência e a intensidade dos eventos de El Niño, levando a secas consecutivas em intervalos cada vez mais curtos, de aproximadamente cinco anos entre uma e outra — consequentemente, também cresce a frequência e a intensidade de incêndios.
Há um risco iminente de que megaincêndios se tornem uma triste rotina no Brasil. Para enfrentá-lo, o país precisa aplicar uma política rigorosa no manejo do fogo pela agropecuária e coibir incêndios criminosos. Somado a isso, é necessário avançar em uma política climática robusta, com medidas de conservação, de recuperação de áreas degradadas e de monitoramento, sobretudo na Amazônia e no Pantanal, para reduzir impactos do fogo e propiciar a resiliência dos ecossistemas contra esses eventos de queimadas e secas. Acordar pela manhã com o céu escurecido por fumaça e fuligem não pode se tornar o "novo normal" do povo brasileiro.
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