Valdir Adilson Steinke — Professor do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília (UnB).
Planaltina, uma das cidades mais antigas e historicamente significativas do Distrito Federal, guarda em suas raízes um profundo testemunho das transformações socioambientais que marcaram o desenvolvimento do Brasil central. Desde seus primeiros dias, muito antes da construção de Brasília, Planaltina tem se desenvolvido em um ritmo que, por vezes, desconsidera a necessidade de uma integração harmoniosa entre crescimento urbano, preservação ambiental e equidade social. Esse crescimento, marcado por uma expansão tumultuada e carente de planejamento estratégico, frequentemente negligencia as necessidades mais fundamentais de sua população e a riqueza natural que a cerca. Diante dessa realidade, torna-se urgente a formulação de políticas públicas que reconheçam e valorizem a singularidade histórica e ambiental de Planaltina, promovendo um desenvolvimento sustentável e inclusivo.
No centro do patrimônio natural de Planaltina, a Estação Ecológica de Águas Emendadas (ESEC-AE) se destaca como um espaço de relevância ímpar para a ciência e para a conservação ambiental. Esse local único, com suas características geomorfológicas excepcionais, é conhecido pelo fenômeno hidrológico raro que abriga: a interconexão de nascentes que alimentam duas das maiores bacias hidrográficas brasileiras: a Bacia do Tocantins e a Bacia do Paraná. Essa singularidade transforma a ESEC-AE em um ponto de convergência vital para a segurança hídrica do país, desempenhando um papel crucial na manutenção da qualidade e da disponibilidade de água doce, um recurso cada vez mais escasso e estratégico. A fragilidade ecológica da estação, aliada à sua função como um reservatório de biodiversidade, exige uma gestão ambiental pautada pela precaução e pela responsabilidade intergeracional.
No entanto, o projeto de criação da Área de Desenvolvimento Econômico de Planaltina, proposto para ser implantado nas proximidades da ESEC-AE, configura-se como uma séria ameaça a esse ecossistema de importância nacional e internacional. O impulso para o crescimento econômico, sem a devida consideração das particularidades ambientais da região, revela uma visão míope que subestima a relevância de preservar um patrimônio natural de valor inestimável. As atividades econômicas que se pretende desenvolver nas imediações da estação ecológica, se não forem criteriosamente avaliadas e monitoradas, podem desencadear processos de degradação que resultariam na perda irreversível de biodiversidade, na alteração do microclima local e, sobretudo, na contaminação dos mananciais hídricos que são essenciais não apenas para o Distrito Federal, mas para vastas regiões do Brasil.
Essa situação evidencia a necessidade de uma reavaliação urgente das políticas de desenvolvimento territorial e ambiental do Distrito Federal e do Brasil. A preservação de áreas ecologicamente sensíveis, como a ESEC-AE, deve ser tratada como uma prioridade estratégica, fundamentada em princípios éticos que transcendam interesses econômicos imediatistas. Somente por meio de uma governança ambiental responsável, que promova um equilíbrio entre desenvolvimento e conservação, será possível garantir um futuro em que o crescimento econômico ocorra de maneira sustentável, respeitando os limites naturais e assegurando qualidade de vida para as futuras gerações.
Infelizmente, a ameaça à Estação Ecológica de Águas Emendadas não é um episódio isolado, mas, sim, parte de uma longa sequência de decisões equivocadas de gestão territorial que têm caracterizado o Distrito Federal. Desde a sua concepção, o DF tem enfrentado dificuldades em equilibrar o crescimento urbano acelerado com a preservação de seu rico patrimônio ambiental, frequentemente priorizando interesses de curto prazo e subestimando as consequências a longo prazo dessas escolhas.
O Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), aprovado em 2024, é um exemplo recente de como a gestão territorial do DF continua a repetir erros históricos. Embora o PPCUB tenha sido defendido como uma tentativa de ordenar o crescimento urbano e proteger o patrimônio histórico de Brasília, na prática, ele tem aberto margens para flexibilizações que favorecem a expansão imobiliária e a ocupação de áreas sensíveis, sem a devida consideração aos impactos ambientais e sociais dessas intervenções.
É crucial que o Distrito Federal e o Brasil como um todo assumam uma postura mais crítica e responsável em relação à gestão de seus recursos naturais e culturais. É necessário romper com os padrões históricos de exploração e degradação que têm marcado o desenvolvimento regional e adotar uma nova visão, orientada por princípios de sustentabilidade e justiça ambiental. O futuro do DF e de cidades como Planaltina depende de nossa capacidade de aprender com os erros do passado e de construir um modelo de desenvolvimento que valorize e proteja nossos patrimônios naturais e culturais, garantindo que eles possam ser desfrutados por todas as gerações futuras.
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