ARTIGO DE OPINIÃO

Por que tanta gritaria?

Ando pensando nisso: como tudo está no limite do extremo, sem espaço para ponderações. Não existe meio termo em concordar ou não com algo. Quanto mais no polo, quanto mais radical, melhor

PRI-2910-BRIGA -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2910-BRIGA - (crédito: Maurenilson Freire)

Já teve aquela sensação de que as coisas andam mais loucas do que o normal ultimamente? Bilionários de redes sociais emparedados, candidatos às eleições municipais com o tom um pouco acima da sanidade. São tantos gritos, tantos excessos, que a sensação é de estar em um mundo em ebulição — e isso sem levar em conta a onda de calor.

Ando pensando nisso: como tudo está no limite do extremo, sem espaço para ponderações. Não existe meio termo em concordar ou não com algo, muito pelo contrário: quanto mais no polo, quanto mais radical, melhor. Não é de hoje que esse modus operandi se impõe. De certa forma, ser mais barulhento causa um impacto social. É um senso comum leviano, mas acredito ser a lógica da maioria: "Se alguém está gritando é porque ele tem algo a dizer" — quando, na realidade, uma boa comunicação preza exatamente pelo contrário.

Esse contexto, que faz parte da história humana, ganha uma explosão de magnitude se levado em consideração o cenário das redes sociais. Se normalmente as pessoas já estão subindo na escada da sanidade, no meio digital tudo fica ainda mais louco. Faço um desafio: abra o Instagram ou o TikTok e leia os comentários de qualquer post de um grande jornal. É como entrar em uma câmara de eco com milhares gritando.

O grande problema é que esse tipo de comportamento vira um padrão no mundo além das redes sociais. Pessoas sem paciência no trânsito, tratando os outros como inferiores, abusos em qualquer estabelecimento de serviços. Está tudo muito na base do grito.

O que fica deste texto é um alerta e uma opção de solução para lidar com o problema. Tenha cautela com quem está gritando. É muito provável que todo o falatório e todo o radicalismo não seja tão natural e muito menos o reflexo de caráter. É mais provável que os que se vendem como "genuínos" e de "personalidade forte", na verdade, sejam apenas pessoas que estão surfando na onda do momento — que é viver acima do tom — para conseguir algo.

O filósofo e psicanalista Michel Foucault escreveu em 1961, no livro A história da loucura, um trecho que me faz pensar desde a primeira vez que o li: "A liberdade, ainda que apavorante, de seus sonhos e os fantasmas de sua loucura têm, para o homem do século 15, mais poderes de atração que a realidade desejável da carne". Tantos gritos me fazem pensar que essa atração não ficou nos homens do século 15.

Mas e como lidar com esse mundo à beira do surto? Bom, não existe uma receita pronta, mas uma boa base é olhar para a ponderação. É sobre o fato de existir uma área cinzenta entre dois opostos. Não se trata de ser indeciso ou covarde. Ter uma opinião é sempre fundamental. O real segredo de qualquer ponderação é saber que a sua opinião pode estar errada. Sem tantas certezas, o mundo não teria tanta gritaria. 

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postado em 03/09/2024 06:00
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