Com muita frequência é preciso que ocorram tragédias para enxergarmos aquilo que está escondido. Bulas de remédios, rótulos de comida e manuais de instrução fazem parte do rol de documentos que escondem perigos em letras miúdas. Não apenas por falta de uma cultura estabelecida ou de uma educação para a cidadania, mas por falta de alerta e fiscalização, ignoramos riscos. De quem é a responsabilidade?
É o que me pergunto depois da tragédia que nos deixou sem chão e sem ar na semana que passou. Falo do incêndio que matou um jovem casal, um bebê recém-nascido, o cãozinho deles e deixou mais duas pessoas feridas depois de uma explosão e um incêndio em Valparaíso de Goiás.
As autoridades de Goiás investigam o caso, mas uma das hipóteses mais prováveis, levantada primeiramente pelo Correio, é que a explosão tenha sido causada pela reação química de um produto utilizado para impermeabilizar o sofá no apartamento, o que deixou vários moradores do DF e do Entorno preocupados, já que esse serviço é bastante procurado.
Apesar de existirem normas e preparação técnica específicas para o uso desse tipo de material, poucos sabem disso ao contratar a aplicação. Talvez nem mesmo pessoas que o aplicam. E, de novo, de quem é a responsabilidade por esse tipo de omissão?
Para além de encontrar causas e responsabilidades — algo necessário, mas complexo, sobretudo quando claramente não há qualquer intenção de ferir ou matar alguém —, é preciso que a gente volte os olhares para a enorme dificuldade que existe em investir nos métodos e medidas de prevenção neste país. Também há um enorme vácuo de informações a respeito de tragédias que ocorrem e não são investigadas nem noticiadas como deveriam, sobretudo quando se passam em zonas periféricas, longe dos grandes centros.
Esse incêndio teve ampla cobertura e, graças a isso, agora sabemos dos riscos que esse tipo de serviço de impermeabilização pode ocasionar, ainda que seja um caso ainda em investigação. Mas quantas tristezas decorrentes de tantos problemas, negligências e violências são sufocadas, pouco explicadas e não recebem a atenção devida para que não se repitam?
O Entorno do Distrito Federal é uma dessas regiões muito frequentemente esquecidas por motivos e atores diversos. Está colado ao DF. Sua população trabalha e estuda aqui, usa os serviços de saúde daqui e, ainda assim, sabemos muito pouco. Vai ter eleições municipais no Entorno — e como estamos acompanhando?
Creio que há a necessidade de um mea culpa coletivo. Como sociedade, estamos olhando para os problemas certos? Estamos investindo tempo e atenção naquilo que realmente tem o poder de destruir nossas famílias, nosso país, nosso presente e futuro?
Pensei nisso quando aquela nuvem cinzenta encobriu o céu de Brasília... Não esperamos tempo demais para assumir como nosso o problema dos incêndios, das queimadas, do desmatamento Brasil afora. Nosso bioma, o Cerrado, está em risco há tanto tempo! E não é o único.
Parece outro assunto? Não é. É tudo sobre nossos olhos vendados e nossa atenção dispersa. Estamos agora chafurdados na lama da mentira e da desinformação, discutindo o imenso poder de uma rede social sem regulação na mão de um empresário que acha que pode espalhar qualquer tipo de mentira sem se preocupar com as consequências. Nem só ele. Um candidato em um estado tão importante como São Paulo, Pablo Marçal, também se sente à vontade para mentir em praça pública em plena campanha eleitoral, difamando adversários.
Precisamos olhar com toda a atenção para o planeta, mundo, país, cidade, quintal que queremos habitar e exigir atitudes, leis, regulações, fiscalizações, debates que importem na nossa vida. Dá um cansaço enorme a energia dispensada para correr atrás do prejuízo. Passou da hora de fazer antes de sair na frente.
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