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Artigo: Brasil, já somos um narcoestado?

O Brasil de 2024, em estado de torpor, vai construindo a "tempestade perfeita". Vê-se uma perigosa imobilidade das políticas públicas voltadas para a defesa e a segurança

Mais de 60 kg de drogas foram encontrados escondidos no forro de PVC de uma casa  -  (crédito: PMDF)
Mais de 60 kg de drogas foram encontrados escondidos no forro de PVC de uma casa - (crédito: PMDF)

Hamilton Mourão*

A década de 1980 e o case Escobar — Colômbia materializaram o surgimento, fortalecimento e consolidação de poderosas organizações criminosas ligadas ao narcotráfico. O mundo descobriu a força dos empreendimentos milionários manobrados pelas máfias das drogas no planeta. Hoje, países, como Guiné-Bissau, Afeganistão, Kosovo, Suriname, Venezuela e México são consensualmente conhecidos como narcoestados; constituindo-se, em função disso, em ameaças à estabilidade regional.

Na literatura, diz-se que um país é um narcoestado quando suas instituições, principalmente as políticas, estão significativamente envolvidas e influenciadas pelo tráfico de drogas, e seus gestores atuam em simultaneidade nos cargos formais de funcionários públicos ao mesmo tempo em que são, direta ou indiretamente, apoiadores de facções e redes ligadas ao tráfico de entorpecentes. Tal perversa realidade faz com que esses ilícitos acabem por ser amparados pelos respectivos poderes legais e constituídos.

Umas das ferramentas que compõem o modus operandi para a coação e a conquista de poder são as ações cinéticas de narcoterrorismo, protagonizadas por ataques na modelagem do tipo terrorista contra pessoas e instituições que empreendem ações antinarcóticas no país. Essas ações, em paralelo com as articulações baseadas na corrupção de agentes públicos, acabam por influenciar as políticas de um governo, onde os criminosos financiam campanhas políticas, influenciam contratações e atuam no ordenamento de despesas públicas; macabra realidade que intimida e imobiliza a sociedade de bem.

O Brasil de 2024, em estado de torpor, vai construindo a "tempestade perfeita". Vê-se uma perigosa imobilidade das políticas públicas voltadas para a defesa e a segurança. Em verdade, a força das facções criminosas avança a olhos vistos, os órgãos de segurança pública se esforçam heroicamente, mas esbarram na falta de valorização profissional, falta de efetivos e falta de equipamentos; tudo isso agravado por uma campanha insidiosa de comunicação, em que o bandido é "vítima da sociedade" e os operadores policiais são adjetivados como "truculentos" e outras coisas pejorativas.

A infiltração das organizações narcoterroristas na administração pública e no meio político é periodicamente revelada pela mídia em episódios pontuais, mas obviamente em escala muito menor do que a realidade. O ambiente carcerário, também caótico, transformou-se em verdadeiro laboratório do crime, onde meliantes se aprimoram, conseguem liderar seus grupos e, inclusive, coordenar ações contra agentes do Estado.

As armas de grosso calibre, que sustentam a realidade dos "territórios liberados", diariamente aumentam quantitativa e qualitativamente os arsenais na mão dos narcoterroristas, ao contrário do que parcela da imprensa teima em divulgar, elas não provêm dos CACs e dos cidadãos comuns, os quais não podem nem nunca puderam adquirir fuzis automáticos e metralhadoras. O arsenal do tráfico entra pelas nossas fronteiras, em contêineres que chegam em aviões, navios e em caminhões e cargas que voltam dos países do entorno. Sim, fica a constatação límpida de que nossas extensas fronteiras são permeáveis, as estruturas de fiscalização aduaneira não conseguem atuar proporcionalmente às demandas, mas, principalmente, faltam políticas públicas que instrumentalizem um eficaz e poderoso controle fronteiriço.

Por óbvio, iremos perguntar, então qual é a solução? A resposta não é simples, porque simples não é o problema. Certamente, a busca de soluções implica planejamentos e medidas de curto, médio e longo prazo; que ataquem as facções criminosas em seu âmago, que desnudem os entes governamentais envolvidos, fazendo cair suas lideranças, imobilizando sua capacidade financeira e acabando com as áreas e territórios liberados, os quais se sustentam pelo poderio bélico.

Ao fim, cumpre-nos, como sociedade, refletir sobre o futuro que queremos, pois se o Brasil ainda não é um narcoestado, é certo que caminha na senda da cumplicidade para tal fim. Urge um esforço nacional, com inteligência, estratégia e objetivos claros. Há que valorizar as polícias, há que atuar na legislação penal e no rito processual, buscando acabar com a leniência dos tribunais que, hoje, parecem se preocupar mais com política do que com a paz e a ordem tão necessárias ao nosso crescimento enquanto sociedade.

Senador da República*

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postado em 02/09/2024 06:00 / atualizado em 02/09/2024 06:00
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