Lívia Moura*
Nesta semana, várias cidades do interior de São Paulo reportaram estado de alerta com focos de calor e incêndios de grandes proporções no meio rural. O deslocamento dessa fumaça, somada a incêndios locais, fez com que cidades, como Brasília, Belo Horizonte e Goiânia amanhecessem cobertas por um ar denso e cinza. O governo federal se posicionou e declarou o fato como uma nova crise climática no país. A Polícia Federal foi acionada para investigar as causas dos incêndios, que indicam ter origens criminosas.
A grande questão é: como podemos evitar crises como essa? Sabemos que, uma vez instalado um incêndio de grandes proporções, dificilmente o combatemos com eficiência e sem prejuízos. Por isso, precisamos usar técnicas e ações de prevenção.
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A prevenção, nesse caso, conta, primeiramente, com o manejo adequado para cada tipo de vegetação, considerando a situação de uso e ocupação em cada local. Com o manejo das áreas rurais, realizado de maneira planejada, é possível reduzir a ocorrência de incêndios (fogo descontrolado e indesejado) e, consequentemente, a fumaça, além de preservar a saúde das pessoas e contribuir com a biodiversidade.
O Manejo Integrado do Fogo (MIF) envolve um conjunto de ações preventivas para evitar incêndios. A recém-sancionada Política Nacional do MIF (Lei nº 14.944/2024) indica a implementação de queimas prescritas e planejadas, em áreas estratégicas de campos e savanas, onde a vegetação é adaptada ou dependente do fogo. Essas queimas ajudam a proteger as matas e florestas que sofrem com a passagem de qualquer fogo. Isso porque, quando se queima uma área, o combustível de uma faixa é eliminado e, se um incêndio vier a ocorrer posteriormente, ele não consegue se propagar.
Com mudanças e fenômenos climáticos cada vez mais comuns, não podemos contar com a sorte de não haver nenhuma fonte de ignição. Ao fazer uma queima prescrita em área estratégica, os incêndios acabam "morrendo de fome" por falta de combustível (vegetação seca) para alimentá-lo. Com áreas menores sendo queimadas de maneira controlada, a quantidade de fumaça diminui.
As populações que vivem no meio rural precisam ser envolvidas em ações de educação ambiental relacionadas ao tema fogo, monitoramento de suas áreas e entorno, e recuperação de áreas degradadas. A população urbana também tem um papel fundamental a desempenhar por meio de denúncias, vigílias e conscientização.
Essas ações são parte essencial do MIF. Diferentemente do que se fala, MIF não é queima prescrita, mas, sim, uma abordagem com várias ações e atividades, inclusive, o combate e a prevenção de incêndios, todas com foco em reduzir os incêndios e os problemas associados.
No geral, os incêndios criminosos devem continuar, enquanto não houver conscientização e fiscalização adequada. Porém, estudos apontam que ao se fazer o manejo de um território, conforme previsto no MIF, a ocorrência de grandes incêndios diminuirá. Isso ocorre por causa também das áreas menores atingidas por incêndios após a aplicação de queimas prescritas, aceiros e recuperação de áreas degradadas. Com áreas menores sendo queimadas, a fumaça e a poluição provocadas também são reduzidas.
A população local estando mais amparada, informada e empoderada, com ferramentas para melhorar o monitoramento e registrar ocorrências ou denunciar crimes envolvendo o fogo, espera-se uma diminuição na ocorrência de incêndios criminosos. Essa é uma combinação de fatores que o MIF tem como pressuposto e diretriz, que vai ajudar a diminuir e prevenir crises climáticas.
Precisamos celebrar a aprovação da Lei 14.944/2024, que cria a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (MIF), pois contamos com ela para melhorar o nosso entendimento sobre o fogo, enquanto cidadãos, e para lidar melhor com ele, manejando-o. A política é uma das maiores respostas às crescentes necessidades de adaptação e mitigação dos impactos dos incêndios, especialmente em tempos de mudanças climáticas.
Com a nova Política do MIF, as coisas podem mudar. O conhecimento tradicional, de povos e comunidades do Cerrado, dizia, há muito tempo, que com o manejo adequado do fogo, a probabilidade desses incidentes serem tão grandes e desastrosos é muito pequena. Na última década, as instituições brasileiras reconheceram esse valioso conhecimento e incorporaram o fogo como instrumento de manejo. Agora, o planejamento e o monitoramento participativo e adaptativo indicam que esse é o melhor caminho a seguir para cuidar bem da natureza, da sociobiodiversidade e das pessoas.
Assessora técnica do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)*