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Onde estão as atas?

Cabe ao Brasil e a outras nações democráticas da América Latina exigir de Maduro a apresentação de 100% das atas eleitorais, sob pena de mais sanções internacionais. Não existe outro subterfúgio para solucionar a crise na Venezuela

Quem não deve não teme. Um mês depois das eleições presidenciais venezuelanas, Nicolás Maduro ainda não apresentou as atas de apuração, apesar de a oposição assegurar que o ex-diplomata Edmundo González Urrutia venceu com uma margem colossal de votos. Mesmo sem as atas, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) consideram sacramentada a vitória do líder chavista. Um disparate e uma vergonha para a democracia, caso existisse na Venezuela. O regime de Maduro simplesmente ignora a soberania popular. Se atesta que ganhou nas urnas, então que apresente as atas eleitorais para dirimir qualquer dúvida. Caso contrário, apenas alimentará forte suspeição sobre um processo eleitoral que, mesmo em sua raiz, parecia favas contadas em prol do Palácio de Miraflores.

A inabilitação política de María Corina Machado e a recusa em registrar a candidatura de Corina Yoris apenas indicam a tentativa do governo de minar qualquer possibilidade de vitória da oposição. Em vez de tornar públicos os documentos da apuração, Maduro reprime protestos, silencia adversários políticos e lança mão do autoritarismo para proteger o poder.

Na Venezuela, não existe separação de poderes. Legislativo e Judiciário são controlados ou cooptados pelo Executivo. Maduro compra a lealdade canina das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas com cargos no governo. Também utiliza de um patriotismo demagógico e de uma ideologia virulenta, além de se escorar na figura de um falecido para garantir a própria sobrevivência política. O homem que diz ter visto Hugo Chávez em forma de montanha e conversado com o antecessor, que teria aparecido ante ele disfarçado de passarinho, precisa manter viva a figura do pai da revolução bolivariana, o tal socialismo do século 21. Maduro não goza do mesmo carisma de Chávez e depende da figura do presidente morto para conservar o mínimo apoio popular. 

Não me surpreenderia se, nos próximos dias, Edmundo González ou María Corina Machado tiver a prisão decretada. Talvez, Maduro não o faça por faltar-lhe a coragem para enfrentar a imensa pressão internacional. Aliás, a proposta do Brasil de realização de novas eleições na Venezuela chega a ser vergonhosa e um despautério, ainda mais quando vem de um líder que se diz democrata, como Lula.  Também propor que a Suprema Corte solucione a crise é o mesmo que acreditar em Papai Noel entregando presentes com o coelhinho da Páscoa e a mula sem cabeça pilotando o trenó. Mais uma vez, não existe separação de poderes na Venezuela, não existe mecanismo de freios e contrapesos.  

Cabe ao Brasil e a outras nações democráticas da América Latina exigir de Maduro a apresentação de 100% das atas eleitorais, sob pena de mais sanções internacionais. Não existe outro subterfúgio para solucionar a crise na Venezuela. Qualquer outra solução equivale a respaldar a ditadura de Maduro e a favorecer que um tirano se perpetue no poder enquanto arrebenta com os direitos humanos e sufoca a oposição. 

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