Visão do Correio

Visão do Correio: Dois pesos e duas medidas

A diferença de tratamento dada aos servidores em relação ao mercado das apostas esportivas não é exclusividade da gestão federal, mas uma marca registrada dos executivos brasileiros, aqui incluindo prefeituras e governos estaduais

Terminou ontem o prazo para as empresas interessadas em atuar no mercado de apostas esportivas no Brasil solicitarem o registro de operação junto à Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), vinculada ao Ministério da Fazenda. Números do governo federal apontam que 51 companhias haviam enviado a documentação necessária na última segunda-feira, 24 horas antes da data-limite. A partir de amanhã, quem quiser entrar no ramo pode fazê-lo, mas não tem garantia de análise do pedido antes de janeiro de 2025, quando entra em vigor a regulamentação aprovada em julho.

Informação apurada pelo jornal Folha de S. Paulo mostra que o Ministério da Fazenda teve 251 reuniões com entidades representativas de apostadores e com as chamadas bets, as empresas da área, entre março do ano passado e 31 de julho deste ano, dia seguinte à regulamentação assinada pelo ministro Fernando Haddad. 

Em um país com 3,5% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, segundo números do IBGE, chama a atenção o tempo dedicado pelo governo ao setor das apostas, ainda que a normatização das bets se faça necessária em um cenário no qual esse braço da economia movimenta 1% do PIB, segundo relatório da XP Investimentos. 

Não se trata de fincar a bandeira contra a discussão sobre o mercado de apostas, mas evidenciar que o Brasil encara, todos os dias, problemas econômicos que merecem maior ou, no mínimo, a mesma atenção. O urgente debate acerca da Previdência pública é uma das discussões ainda longe do farol do noticiário político-econômico atual. 

Em debate na Comissão de Direitos Humanos nesta semana, senadores da República voltaram a pedir ao governo a cobrança das dívidas previdenciárias mantidas por grandes empresas com a União. Um relatório do governo feito em janeiro do ano passado mostrava que as 500 maiores companhias do país tinham R$ 141,6 bilhões em passivos com o INSS. 

Para efeito de comparação, quando anunciou a regulamentação do mercado de bets, o governo estimou uma arrecadação anual entre R$ 6 bilhões e R$ 12 bilhões com o setor por meio de impostos. No melhor cenário, esse valor não chegaria a 10% das dívidas previdenciárias das 500 maiores empresas.

Ao mesmo tempo, desde o ano passado, se arrasta nos corredores do governo o reajuste salarial dos servidores de 11 agências reguladoras do país — entre elas a de Vigilância Sanitária (Anvisa), braço público fundamental para que o país vencesse a guerra contra a Covid-19. A diferença de tratamento dada aos servidores em relação ao mercado das apostas esportivas não é exclusividade da gestão federal, mas uma marca registrada dos executivos brasileiros — incluindo prefeituras e governos estaduais. Trata-se de mais um indício de que quem tem mais poder, consequentemente, tem mais barganha para negociar um espaço na agenda. 

A prioridade das bets na ordem do dia é emblemática, mas não está sozinha nesse cenário de pesos semelhantes para medidas muito divergentes. Em tempos eleitorais, o cidadão precisa abrir o olho para cumprir com sua obrigação democrática e escolher representantes capazes de, ao menos, problematizar as nada sutis desigualdades do status quo brasileiro.

 

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