Larissa Rodrigues — Diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas; Rafael Giovanelli — Gerente de Pesquisa do Instituto Escolhas
O mercúrio é um metal extremamente tóxico e prejudicial à saúde. Os casos de contaminação humana — há muito comprovados aqui no Brasil — são alarmantes e afetam os pulmões, causam cegueira, perda de movimentos, dificuldade de aprendizado, entre outras mazelas. Apesar disso e dos esforços internacionais para eliminar o uso do metal líquido, como a Convenção de Minamata — em vigor aqui no país desde 2017 —, ele continua sendo utilizado, principalmente para extrair ouro. O setor é globalmente o maior responsável pelo mercúrio lançado à atmosfera, com 38% do total.
Além de ser tóxico, o mercúrio movimenta um grande mercado ilegal. Um estudo do Instituto Escolhas mostrou que 185 toneladas de mercúrio de origem desconhecida podem ter sido utilizadas no Brasil para a extração de ouro entre 2018 e 2022. Segundo as estimativas, para produzir ouro nesse período, o país pode ter utilizado um total de 254 toneladas de mercúrio, mas importou oficialmente apenas 68,7 toneladas. Por isso, 185 toneladas podem ter origem ilegal, já que o país não produz mercúrio, apenas importa. Ao que tudo indica, o mercúrio ilegal pode ter vindo, pelo menos em parte, de países vizinhos, como a Bolívia e a Guiana.
Chama a atenção o fato de que, nas últimas décadas, a produção de ouro tenha aumentado, enquanto, curiosamente, as importações oficiais de mercúrio tenham despencado. Entre 2002 e 2022, as áreas dedicadas aos garimpos de ouro triplicaram de tamanho. De acordo com os dados do Mapbiomas, elas saltaram de 68 mil hectares para 224 mil hectares. As exportações brasileiras de ouro também seguiram a mesma tendência, saíram de 35 toneladas para 96 toneladas por ano — sendo que a participação dos garimpos que usam mercúrio nesse montante também aumentou. Mas as importações de mercúrio registradas pelo Brasil caíram 78%, saindo de 67 para 15 toneladas por ano. Como o mercúrio continua sendo utilizado, a conta não fecha e aponta para uma ampliação do comércio ilegal.
O que o país precisa para lidar com esse problema e, principalmente, com as contaminações, é proibir de vez o uso de mercúrio. A Colômbia, por exemplo, proíbe o mercúrio no setor mineral desde 2018. Aqui no Brasil, é exatamente isso que propõe o Projeto de Lei nº 2.417, apresentado pelo deputado Nilto Tatto (PT/SP) ao Congresso Nacional em junho deste ano. O projeto quer proibir, em até dois anos, o uso de mercúrio para o aproveitamento de minérios, como o ouro. Isso, sem dúvidas, transformará a triste e perigosa realidade que temos hoje de pessoas contaminadas, principalmente na Amazônia, resolvendo um grande problema de saúde pública.
Vale lembrar que, aqui mesmo no Brasil, o mercúrio já está proibido em vários produtos, como termômetros, cosméticos e lâmpadas. Agora, é necessário fazer o mesmo para a indústria mineral, que é a que mais utiliza esse metal. E isso é perfeitamente possível. No Brasil, existem garimpos de ouro que não usam mercúrio, limpando o material concentrado por gravidade apenas, ajustando seus equipamentos para aumentar a eficiência de recuperação de ouro. Essas operações são um exemplo concreto de que é possível produzir ouro sem usar mercúrio e devem se tornar a regra, e não mais serem a exceção.
Já faz mais de 10 anos que a Convenção de Minamata foi assinada e outros sete que ela foi ratificada, tempo suficiente de adaptação para uma nova realidade sem o uso desse metal tão tóxico. Mas isso ainda não aconteceu. O país ainda sequer entregou seu plano de ação para lidar com o mercúrio em garimpos, algo previsto pela Convenção.
Independentemente do que será apresentado no plano, previsto somente para 2025, o que o Brasil realmente precisa é adotar uma diretriz clara para eliminar o mercúrio, como colocado no Projeto de Lei nº 2.417/2024. Ao colocar um prazo para o fim do mercúrio, os garimpos e o mercado se adaptarão mais rapidamente. Sem essa diretriz, os esforços de controle e fiscalização do uso do metal não serão suficientes para conter as contaminações e o comércio ilegal, como já está mais do que evidente.
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