Esporte

Medalhas contra o preconceito

Não é só medalha. Os pódios foram direitos de resposta contra comportamentos que não mais deveriam existir no Brasil

Nós e nossos vícios de contabilizar pódios, o sobe e desce do Brasil no quadro de medalhas, especular quais atletas chegarão à próxima edição dos Jogos Olímpicos e até mesmo aposentá-los. Em tempos de ressaca de Paris-2024 e do balanço necessário, prefiro chamar a atenção para conquistas contra diversos preconceitos verbalizadas pelos protagonistas das 3 medalhas de ouro, 7 de prata e 10 de bronze do Time Brasil no 20º lugar na França. Cada discurso descortina comportamentos que não mais deveriam existir em um país inundado de discriminações difíceis de cortar pela raiz.

Começo pelo brasiliense Caio Bonfim. Prata na marcha atlética 20km, o atleta desabafou sobre o preconceito com a modalidade dele depois de cruzar a linha de chegada. "Não estamos brincando de rebolar, somos potência, medalhistas olímpicos. Eu fui muito xingado no primeiro dia que marchei com meu pai (José Sena). Não é me fazendo de vítima. Eu só comecei com 16 anos, porque era muito difícil ser marchador. Eu decidi ser xingado e não ter problema com isso. Difícil não foi a prova de hoje, foi vencer o preconceito".

Giscard Camilo de Oliveira, tio de Caio, acrescentou: "Lá nas ruas de Sobradinho, quando ele treinava, o pessoal falava: 'vai trabalhar!', isso para não falar os nomes que ele ouvia né. 'Deixa de ser à toa, tá rebolando, isso não é esporte de homem'. Hoje, passam por ele e buzinam. A buzina é diferente. Não é mais aquela buzina jogando o carro em cima, tentando atrapalhar, hoje a buzina é: 'vai lá, estamos com você!'.

Enquanto Caio Bonfim combatia ataques homofóbicos contra a marcha atlética, a judoca Bia Souza, medalha de ouro na categoria acima de 78 kg, atacava a gordofobia. Ensinava ao país como superou a discriminação. "Acham que só porque sou gorda não faço dieta e não sou saudável. Criticam sem saber. Além de ser a minha ferramenta de trabalho, essa sou eu. Tudo aconteceu e acontece por causa desse corpo. Eu aprendi que a melhor coisa que eu poderia fazer era amar meu próprio corpo".

Recordista de medalhas na história olímpica do Brasil com dois ouros, três pratas e um bronze em Tóquio-2020 e Paris-2024, Rebeca Andrade destacou as conquistas pessoais e coletivas como instrumentos de combate ao racismo em um pódio formado por três ginastas negras na final do solo: ela e as estadunidenses Simone Biles e Jordan Chiles, que perdeu o bronze para a romena Ana Barbosu na Justiça. "É mostrar a potência dos negros. Mostrar que, independentemente das dificuldades, a gente pode, sim, fazer acontecer. Foi lindo. Eu me amo e amo a cor da minha pele", celebrou.

Prata no surfe, Tati Weston-Webb venceu a xenofobia e o machismo. Nasceu em Porto Alegre. Com dois meses de idade, os pais da bebê, o surfista britânico Douglas Weston-Webb e a bodyboarder brasileira Tanira Guimarães, mudaram-se para o Havaí. Por ter crescido no arquipélago dos EUA, há quem não a considere brasileira. O pódio quebrou o gelo e empoderou mulheres. "Enfrentamos o machismo e estamos mudando a visão do esporte. Dominamos agora, imagina no futuro", disse ao Correio em entrevista publicada na edição de ontem.

Não é só medalha. Os pódios foram direitos de resposta contra comportamentos que não mais deveriam existir no Brasil.

Mais Lidas