Gustavo Horbach — Diretor-presidente da EuroChem na América do Sul
Em um passado não tão distante, meados da década de 1990, o Brasil produzia mais fertilizantes que importava e até 65% do consumo era de produção local. De lá para cá, alguns aspectos históricos, como estagnação dos investimentos no parque fabril e as frequentes readequações tributárias, impulsionaram a importação dos nutrientes básicos da agricultura (nitrogênio, fósforo e potássio), de tal modo que fizeram o país atingir um nível de dependência delicado: hoje, cerca de 85% dos fertilizantes usados na agricultura brasileira são de origem estrangeira.
Segundo dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), a importação de fertilizantes passou de 7,4 milhões de toneladas, em 1998, para quase 33 milhões em 2020, um crescimento de 445% em pouco mais de duas décadas. No mesmo período, a produção nacional teve queda de 13,5%, passando de 7,4 milhões de toneladas para 6,4 milhões. Um paradoxo foi verificado nos últimos 25 anos: enquanto lideramos uma revolução de tecnologia, gestão e inovação no campo — que nos alçou ao patamar de superpotência agrícola —, fomos incapazes de produzir o mesmo efeito em uma indústria essencial a esse mesmo ecossistema produtivo.
Acabamos lançando mão e criamos soluções de curto prazo, emergenciais, visando destravar a produção agrícola nacional para atender à demanda internacional em constante crescimento. Uma decisão necessária, principalmente se olharmos para o agronegócio como um player isolado, mas que negligenciou a cadeia nacional de fornecimento de matérias-primas, como o setor de fertilizantes.
Em 2024, os números continuam preocupantes. Segundo o boletim logístico de junho da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), no período janeiro-maio deste ano, foram desembarcadas nos portos brasileiros 13,64 milhões de toneladas de fertilizantes, contra 13,61 milhões no mesmo período de 2023. A Anda ainda registrou que a produção nacional de fertilizantes, de janeiro a abril deste ano, foi de apenas 1,9 milhão de toneladas, enquanto, no mesmo período do ano passado, foi de 2,2 milhões de toneladas, uma queda de 11,9%.
A vocação do Brasil em ser um ator mais que relevante na redução da insegurança alimentar global por meio do crescimento da produção agrícola e respondendo por quase metade da produção mundial de alimentos nos próximos anos deve propiciar, obrigatoriamente, o fundamental desenvolvimento do mercado nacional de fertilizantes.
O Brasil se encontra em uma posição vulnerável em relação à variação de preços e de oferta causadas por fatores geopolíticos e especulações comerciais internacionais, mesmo o país sendo o quarto consumidor global de fertilizantes e com condições geológicas, econômicas e de infraestrutura adequadas para desenvolver a produção local.
E a mudança desse quadro ocorrerá apenas com um olhar estratégico para o setor, por meio de uma política de Estado, suportada pela indústria e pela academia, que extrapole governos e projete o mercado nacional para daqui a 40, 50 anos. Acreditamos que o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), lançado pelo governo federal em março de 2022, e a remodelação do Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas (Confert), em maio de 2023, foram iniciativas relevantes visando à retomada do protagonismo do mercado brasileiro de fertilizantes.
Por meio de incentivos fiscais, linhas de financiamento, parcerias e mudanças regulatórias, o PNF vai fomentar investimentos públicos e privados e, consequentemente, a produção nacional, reduzindo a dependência do Brasil dos insumos importados para cerca de 45% até 2050, fortalecendo a soberania nacional e a segurança alimentar do Brasil e do mundo.
E há mais uma iniciativa importante: o Rio Agro, fórum Internacional de sustentabilidade agroambiental das cadeias produtivas do agronegócio, que reuniu, de 29 de julho a 2 de agosto, especialistas para debater temas relevantes e desafios comuns do setor. A programação considerou participação ativa do governo federal por meio de representantes dos ministérios do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; da Agricultura e Pecuária; e de Minas e Energia; da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil), entre outros.
Iniciativas como essa, aliadas a investimentos privados, como o Complexo Mineroindustrial de Serra de Salitre da EuroChem, em Minas Gerais, a primeira planta de mineração do grupo fora do continente europeu, reforçam a confiança do setor no Brasil e a nossa expectativa de que o governo, de maneira acertada e pragmática, seguirá avançando com a implementação do Plano Nacional de Fertilizantes, reduzindo vulnerabilidades externas e dando mais segurança ao agronegócio brasileiro.