Infância

Um cenário estarrecedor

O Brasil falha miseravelmente na sua obrigação de prevenir a violência contra crianças e adolescentes. A inércia quase total do poder público é perversa e desrespeita a própria Constituição

O Brasil falha miseravelmente na sua obrigação de prevenir a violência contra crianças e adolescentes. A inércia quase total do poder público é perversa e desrespeita a própria Constituição, que determina "absoluta prioridade" para os direitos de meninas e meninos de viverem a salvo de "exploração, violência, crueldade e opressão".

A parcela mais vulnerável da população, que deveria ser a mais cuidada e protegida, sofre violações cotidianamente. Espancamentos, torturas, humilhações, abusos sexuais, negligências, assassinatos. Os sofrimentos são múltiplos, assim como os algozes, que vão da família ao Estado.

Na última terça-feira, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) ressaltou que o cenário de violência contra meninos e meninas no país "permanece estarrecedor". A avaliação faz parte do relatório Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, apresentado pela entidade e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Conforme o Unicef, o número de estupros contra meninos e meninas tem crescido constantemente. Em 2021, foram registrados 46.863 casos de violência sexual, que aumentaram para 63.430 em 2023, "o equivalente a uma criança ou adolescente vítima de estupro a cada oito minutos no último ano".

Os abusos têm vitimado cada vez mais meninos e meninas de menos idade. Diz o relatório que, entre 2022 e 2023, houve um acréscimo de 23,5% nos registros de estupro contra criança de até 4 anos, e de 17,3% entre aquelas com 5 a 9 anos.

A violência letal também tem atingido um número maior de crianças mais novas. As mortes violentas aumentaram 15,2% entre meninos e meninas de até 9 anos. Esse tipo de crime ocorre dentro de casa, em 50% dos casos, cometido por pessoas conhecidas da vítima (82,1% dos registros, em 2023).

Representante do Unicef no Brasil, Youssouf Abdel-Jelil enfatiza: "É urgente que os governantes tenham como prioridade acelerar o enfrentamento da violência letal e sexual contra as crianças, adotando políticas e intervenções que podem efetivamente prevenir e responder às violências".

Sociedade e Estado têm de construir, juntos, caminhos para o combate à barbárie. Proteger meninos e meninas tem de se tornar, efetivamente, uma prioridade, como determina a Constituição — uma ordem, até aqui, praticamente ignorada.

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