Cleber Lopes — Advogado criminalista, pós-graduado em direito público. Foi secretário-geral adjunto da OAB/DF no triênio 2016/2018
Agosto é um período de comemorações para a advocacia. Há 197 anos, foram abertas as duas primeiras faculdades no Brasil, ambas escolas de direito, uma em Olinda e outra em São Paulo. Mais do que a construção do ordenamento jurídico, o resultado da implantação de escolas de direito deu origem à base do pensamento nacional em diversas áreas, como na política, na sociologia e na economia. A advocacia tem mesmo muito a comemorar por seu papel relevante na história do Brasil, mas não podemos deixar de analisar o presente e, muito menos, esquecer os enormes desafios que temos pela frente, como guardiã da Justiça, da cidadania e da Constituição.
Neste momento, a advocacia atravessa uma profunda crise de representatividade. No Distrito Federal, centro das principais decisões políticas, econômicas e jurídicas do país, a OAB perdeu sua capacidade institucional e, com isso, está enfraquecida na defesa de advogadas e advogados. A consequência de uma Ordem fraca, distante dos principais debates nacionais, é o enfraquecimento da defesa da cidadania e da Justiça.
A verdade é que a advocacia, já há alguns anos, encontra-se muito à frente da sua entidade de representação. Foi assim no desmascaramento da operação Lava-Jato, cujo papel decisivo exercido pela advocacia ainda precisa ser devidamente contado. E está sendo assim no terrível e lamentável episódio do 8 de janeiro. Em ambos os casos, advogadas e advogados estiveram, e estão, atuando na defesa da cidadania e da Justiça, enquanto sua entidade de representação assiste placidamente a excessos jurídicos, com eventuais sussurros de protesto. Hoje, os balanços de resultados promovidos pela OAB/DF estão turvados por um colírio alucinógeno de quem se acomodou com um pouco de poder e está preocupado em mantê-lo.
Um dos maiores desafios do Brasil na atualidade é romper com a nefasta polarização política. O debate ideológico radical retira a capacidade de encontrar as melhores soluções para o país. Essa polarização entre radicais lança seus tentáculos, e ambos os lados do radicalismo procuram qualquer oportunidade para ampliar e exercer seu controle.
Este ano, haverá eleições para as seccionais da OAB em todo o país, e é evidente a tentação de alguns grupos em buscar, para chegar ao poder, alavancagem na direita e na esquerda mais radicais. É fácil imaginar os riscos para a advocacia e para o país caso a OAB passe a ser controlada por algum dos lados do radicalismo ideológico. Não é pouco o que está em jogo, e vale lembrar dois dispositivos legais que conferem a exata dimensão da advocacia. Diz o artigo 133 da Constituição: "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". Portanto, sem advogado, o sistema de justiça simplesmente não pode funcionar, sem advogado a justiça não existe.
Já o artigo 44 da Lei Federal 8.906/94, o Estatuto da Advocacia, descreve o papel da OAB: I — defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; II — promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.
Esses dois trechos reforçam o caráter diferenciado da nossa profissão. Temos um compromisso social e um dever institucional ímpares. Nossa tarefa vai muito além da defesa da aplicação dos mecanismos legais e do funcionamento do sistema de justiça. Um dos grandes desafios hoje é resistir à polarização política. Nosso desafio é fazer prevalecer o equilíbrio, o bom senso e o bem comum. É urgente rejeitar que a polarização política, seja da direita radical, seja da esquerda radical, sequestre a Ordem e a coloque sob seus interesses político-partidários.
O lado da advocacia é a justiça, a defesa da Constituição, o Estado Democrático de Direito, a defesa da cidadania, o aprimoramento jurídico. A OAB não conseguirá recuperar sua capacidade institucional se estiver manipulada por radicalismos. Apesar da ameaça e do tamanho do desafio, vemos nosso futuro com otimismo, porque a advocacia cresce na luta, na adversidade. Sempre é bom lembrar a célebre frase do grande Sobral Pinto. "A advocacia não é profissão para covardes".