Artigo

Nossas medalhas de ouro

Por mais atletas que dediquem suas conquistas a seus animais, por mais pessoas que encontrem o sentido da vida em seus animais. Nós não humanizamos os animais. Na verdade, eles é que nos tornam mais humanos

Eventos esportivos são uma fonte segura de momentos emocionantes, dentro e fora das arenas. Quando se tem 10,5 mil atletas de 203 países competindo em jogos criados oito séculos antes da era comum, o manancial de lágrimas está garantido. Ainda mais se o cenário for uma das mais belas cidades da civilização ocidental. 

Entre os milhares de imagens produzidas, até agora, nas Olimpíadas de 2024, uma cativou particularmente quem convive com animais. É o da nadadora holandesa Sharon van Rouwendaal emergindo do Sena depois de 10km exaustivos. Mal pisou em terra firme, a medalhista de ouro na maratona aquática ergueu o braço, não em sinal de vitória, mas para mostrar uma patinha tatuada no pulso, para a qual ela aponta e, depois, beija.

A patinha era de Rio, o spitz de 8 anos que morreu há três meses. A perda do melhor amigo, cujo nome foi uma homenagem às Olimpíadas realizadas no Brasil em 2016, desestabilizou a atleta, que pensou em desistir de treinar. O pai, então, a estimulou. "Faça pelo Rio." E foi com a gana de quem, mais do que medalha, queria homenagear o companheiro de quatro patas, que Sharon van Rouwendaal chegou em primeiro lugar. "Eu sabia que não o traria de volta, mas nadei por ele."

Há ainda quem se horrorize com os laços que unem animais domésticos e seres humanos. Que critique quem chore por eles, quem os priorize, quem se declara "mãe" e "pai" dos bichinhos. Com certeza, há quem ache bobagem uma atleta dedicar ao cachorro o símbolo máximo de sua conquista profissional. 

Tenho um salsichinha de 13 anos chamado Bento. Foi um dos primeiros de Brasília a frequentar creche canina, tem carrinho para passear, que o carrega quando as patinhas idosas falham em um passeio mais longo. Ele come comida natural, feita por mim; usa canabidiol para tratar disfunção cognitiva (o "Alzheimer canino"), sobe no sofá e dorme na cama. E receberá tudo o que eu puder proporcionar até quando tiver a honra e o privilégio da companhia dele. 

A ciência cada vez mais explica a conexão entre seres humanos e animais — estudos demonstraram, por exemplo, que cães e suas tutoras produzem mais oxitocina, o "hormônio do amor", quando estão juntos. As pesquisas também indicam que só estamos começando a entender a complexidade das emoções desses seres tão especiais. Na semana passada, um artigo sugeriu que gatos sofrem quando outros bichinhos da casa morrem.

Graças aos passeios com Bento, convivo com pessoas que jamais conheceria não fosse o "vínculo canino". Já vi muita gente se mobilizando para ajudar não só os cães, mas os tutores do grupinho que formamos para socializar nossos cachorros. Recentemente, um dos frequentadores, que tem autismo, contou que o dachshund que adotou deu novo sentido à vida dele.

Por mais atletas que dediquem suas conquistas a seus animais, por mais gente que faça amizade por causa de seus animais, por mais pessoas que encontrem o sentido da vida em seus animais. Não, nós não humanizamos os animais. Na verdade, eles é que nos tornam mais humanos. 

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