Esporte

Por que eu escalaria Marta

A versatilidade da jogadora e aquele passe fundamental contra a Nigéria humanizam o jogo, celebram o talento e podem decidir uma final.s

Arthur Elias está diante da tomada de decisão mais difícil da carreira na final do torneio feminino de futebol nos Jogos Olímpicos de Paris-2024: escalar ou não a jogadora eleita seis vezes melhor do mundo Marta contra os Estados Unidos? Não ficarei no muro. Sim, na minha prancheta, ela iniciaria entre as 11.

Começo meus argumentos pela insanidade das redes sociais. A maioria dos haters em campanha pelo cancelamento de Marta torrava a paciência da técnica Pia Sundhage na Copa do Mundo Feminina de 2023. A sueca deixou a camisa 10 no banco na vitória contra o Panamá e na derrota para a França. Só ouviu a voz do povo na eliminação diante da Jamaica. Arthur Elias precisa se blindar dos bipolares. É vacinado. Um ano depois, a mesma turma deseja Marta fora do time.

Há quem preste atenção na Seleção a cada quatro ou dois anos. Na Copa e/ou nos Jogos Olímpicos. Ignora ciclo, processo e tem memória curta. Você lembra da estreia do Brasil contra a Nigéria em Paris-2024? Foi um jogo difícil do início ao fim. Era esperado. As adversárias alcançaram as quartas na última Copa. Entrincheirada na defesa, a Nigéria testou a paciência do Brasil. Quem achou espaço para o gol da vitória? Marta, autora da assistência para Gabi Nunes fazer o gol.

Marta entrega versatilidade a um técnico desapegado de sistemas táticos. Contra a Nigéria, a alagoana de Dois Riachos inicia a partida aberta na esquerda no formato 4-4-2. Diante do Japão, é ponta-direita no 4-3-3, ao lado de Gabi Nunes e de Priscila no ataque. Marta é substituída aos 40 do segundo tempo. O Brasil vencia por 1 x 0. A virada nipônica começa aos 47 e se consolida aos 51.

Marta errou contra a Espanha. Jogava bem na função de meia-direita no sistema 5-4-1 até cometer a falta desleal indefensável em Olga Carmona. Dizem que Marta não marca. O mapa de calor daquele jogo desmente. Ela fecha espaço com dedicação de lateral-direita.

O Brasil elimina França e Espanha sem Marta porque Arthur Elias não é refém dela nem de tática. Inventa, se reinventa, trabalha em equipe e constrói planos de jogo específicos. O preparo físico — e não a ausência de Marta — foi decisivo nas quartas e na semi. O técnico adotou encaixes individuais na marcação no campo inteiro. Não é uma estratégia de fácil execução. Muito menos manter a intensidade. O corpo cobra caro.

Arthur Elias mudou cinco jogadoras em relação à vitória contra a França nas quartas. Saíram Rafaelle, Adriana, Duda Sampaio, Ana Vitória e Gabi Nunes. No lugar delas, Lauren, Ludmila, Angelina, Vitória Yaya e Priscila iniciaram a partida. Foram até poucas mudanças. A escalação contra a França teve sete trocas em relação ao time da derrota por 2 x 0 para a Espanha. Configurado no 3-4-1-2. o Brasil teve fôlego para correr o campo inteiro atrás das espanholas, adiantar linhas e pressionar a saída de bola. Deu certo.

Os números indicam um Brasil melhor sem Marta nos Jogos. Com ela em 243 minutos, o Brasil finalizou 23 vezes, concluiu nove lances corretamente e criou três grandes chances. Sem a Rainha, foram 314 minutos, 12 acabamentos corretos 15 grandes oportunidades.

Mas futebol não é ciência exata. A versatilidade de Marta e aquele passe fundamental contra a Nigéria humanizam o jogo, celebram o talento e podem decidir uma final. 

Mais Lidas