A Suprema Corte venezuelana realizou, ontem, uma sessão para auditoria do resultado das eleições na qual convocou os 10 candidatos presidenciais — Nicolás Maduro, Edmundo González e mais oito — para comparecer ao tribunal. Ameaçado de prisão, González não compareceu. Maduro já mandou prender milhares de oposicionistas. E a Venezuela parece caminhar mesmo para se tornar uma ditadura sob seu comando.
A reeleição de Maduro, proclamada no dia mesmo da apuração, 28 de julho, é contestada por observadores internacionais. Apuração paralela aponta González como vencedor do pleito, com 67% dos votos — contra 30% de Maduro. A oposição exige a apresentação das atas eleitorais completas pelo CNE, a autoridade eleitoral venezuelana. Estados Unidos, Argentina e Uruguai declararam que o candidato da oposição venceu o pleito.
Segundo o Centro Carter, instituição que acompanha eleições em todo o mundo, a Venezuela "não atendeu aos padrões internacionais de integridade e não pode ser considerada democrática". Além disso, o órgão afirmou que a autoridade eleitoral "demonstrou claro viés" em favor do atual presidente, que, com o resultado, terá mais seis anos de mandato.
A audiência na Suprema Corte foi uma encenação para legitimar a permanência de Maduro no poder. Durante a sessão, oito dos nove candidatos presentes assinaram um documento dizendo que concordam com os resultados da eleição. Menos Enrique Márquez, que pediu que as atas eleitorais sejam publicadas pelo CNE de forma imediata.
A escalada da crise venezuelana deixa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma encruzilhada da história. A diplomacia brasileira vem atuando na crise com competência — o que é demonstrado pelos pedidos da Argentina e do Peru para que assuma responsabilidade por suas respectivas embaixadas e pela nota conjunta com os presidentes da Colômbia e do México —, mas sem força suficiente para reverter a situação. Maduro mantém seu projeto de poder autocrático e recorre a todas as estruturas do Estado para seguir na presidência.
O autogolpe está em marcha desde 23 de março, quando Marina Corina Machado, a candidata que unificava a oposição, foi declarada inelegível. Daí pra frente, todo o processo eleitoral foi marcado por tentativas de garantir uma "vitória eleitoral" a qualquer preço. Fraudes em mapas eleitorais não são nenhuma novidade na América Latina. Porém, no caso da Venezuela, são tão escancaradas que até as atas da votação desapareceram, exceto as cópias em poder do governo.
A situação deixa o presidente Lula em uma posição delicada internamente porque há amplo entendimento, na opinião pública brasileira e nos meios políticos, de que as eleições foram fraudadas e que Maduro se tornou um ditador. Aliado histórico do chavismo, o presidente brasileiro precisa manter distância regular do colega venezuelano, sob pena de ter a própria imagem contaminada.
É um problema político com muita repercussão internacional, pois abala a liderança regional de Lula e mais ainda internamente, já que pode sinalizar uma posição dúbia do petista em relação aos valores democráticos. Reconhecer Maduro por afinidade ideológica não é da nossa cultura diplomática. Até por uma questão de fronteiras, o Brasil romper relações com a Venezuelana seria um erro, mas Lula também precisa demonstrar uma visão de mundo diferente, visceralmente comprometida com a democracia.