Educação

Empoderando o novo PNE

O novo PNE precisa estabelecer maior detalhamento para a sua implementação. Isso poderia ser obtido por meio de documentos complementares, trazendo mais clareza sobre como cada objetivo pode ser alcançado

» Mozart Neves Ramos — Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados – Polo Ribeirão Preto da USP

» João Henrique Rafael Júnior — Coordenador de Projetos da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados – Polo Ribeirão Preto da USP

A proposta de Projeto de Lei para o novo Plano Nacional de Educação (PNE), que entrou em debate no Congresso Nacional e vai ser discutida pelo setor de educação nos próximos meses, trouxe avanços e contemplou algumas das melhorias que precisavam ser feitas para resolver lacunas do plano anterior. Mas esse é também um momento estratégico para construirmos documentos complementares que, de fato, orientem os diversos atores da educação brasileira para não repetirmos o fracasso de metas não atingidas e, mais importante, para efetivamente oferecer a educação de qualidade com equidade, um direito de todos os estudantes do país.

Em nosso trabalho ao lado de quase 150 redes municipais de ensino de todas as regiões do Brasil, a missão da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP do Polo de Ribeirão Preto é fortalecer políticas públicas para garantir melhoria das aprendizagens e redução das desigualdades. Portanto, em nossa essência temos grande alinhamento com o propósito almejado pelo PNE, especialmente agora que o documento incorpora uma maior preocupação com a equidade ao longo de todos os seus objetivos.

Recebemos com entusiasmo a informação de que uma nova meta pretende aproximar os resultados de aprendizagem entre grupos sociais definidos por raça, sexo, nível socioeconômico e região, em todas as etapas. São muitas as fontes de disparidades, e não podemos aceitar uma melhoria no desempenho médio se for mantida a atual distância entre os que estão acima e abaixo da mediana. 

Também consideramos relevante a mudança na proposta de mensuração da qualidade de ensino, passando a acompanhar a porcentagem de estudantes com aprendizagem adequada — da forma como está redigido hoje, o Plano determina que, em cinco anos, tenham nível adequado de aprendizagem 70% dos estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental, 65% dos anos finais e 60% no ensino médio, chegando todos a 100% em 10 anos. No plano anterior, foi extremamente importante ter estabelecido o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) como indicador de referência, padronizado para todas as redes do Brasil. O problema que notamos é que um aumento no desempenho médio nem sempre significava mais estudantes aprendendo com qualidade.

No mesmo sentido, é preciso dedicar ainda maior atenção para a permanência e conclusão na idade correta, ainda que esteja embutido no Ideb, pois a distorção idade-série é fortemente impactada pela reprovação e pelo abandono escolar. Lembrando que, nesse quesito, a desigualdade também é notável: em 2019, enquanto 94,4% dos estudantes vindos de famílias com maior nível socioeconômico concluíram o ensino fundamental na idade correta, esse percentual foi de apenas 67% entre estudantes de famílias de baixa renda.

Mesmo com prazos intermediários e itens mais específicos — uma vantagem em relação ao documento anterior —, o novo PNE precisa ir além e estabelecer maior detalhamento para a sua implementação. Isso poderia ser obtido por meio de documentos complementares, trazendo mais clareza sobre como cada objetivo pode ser alcançado, ajudando a materializar os conceitos tratados e orientando a execução de medidas relevantes para sua realização. 

O próprio combate à desigualdade demanda mais suporte sobre como fazê-lo, algo que poderia constar em diretrizes norteadoras, assim como a educação integral incorporando metodologias propícias para o desenvolvimento pleno e indo além da ampliação da jornada escolar.

Muitas vezes, o desenho de boas políticas educacionais acaba não gerando os resultados que pretende, justamente por falta de diretrizes operacionais e sugestões de caminhos, bem como por ausência de pactuação sobre papéis e responsabilidades. Esse é outro aspecto incontornável que, talvez, ainda não tenha sido contemplado com suficiente ênfase. Atualmente, não temos nenhuma consequência atrelada ao descumprimento de objetivos e metas, nem a clareza, por exemplo, de que são os municípios os mais responsáveis pela alfabetização, os estados, pelo ensino médio, e assim por diante. 

Ainda que o regime de colaboração seja essencial em toda a educação básica e que a complementariedade de esforços entre municípios e estados, com coordenação do governo federal, faça parte de nossa configuração, é necessário explicitar a quem cabe planejar, zelar, direcionar investimentos e apresentar propostas para cada etapa e modalidade de ensino, ou para cada meta do plano. Esse tipo de visibilidade pode dar mais subsídios para uma participação social mais ativa, especialmente se acompanhado de um empoderamento de conselhos estaduais e municipais de educação para monitorar como os diferentes atores estão tratando as metas pelas quais são mais diretamente responsáveis.

Para além do excelente trabalho que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) realiza, tornando públicos os dados de monitoramento sobre o cumprimento de cada meta, faria muita diferença indicar órgãos de controle para essa execução, que não somente observem quando estivermos longe dos resultados pretendidos, mas possam apoiar e cobrar as medidas necessárias para acelerar nossa trajetória em direção à educação que queremos. Esse tipo de indicação também poderia estar contemplado em documentos que desdobrem o novo PNE. Somente assim, a conta não vai sobrar para quem apagar a luz, e apenas com um processo mais participativo esse PNE terá condições de ser um real instrumento de planejamento de políticas educacionais ao longo da próxima década.

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