Arthur Sousa*
O setor elétrico brasileiro pode ter muitos problemas, mas, entre eles, não está a sua evolução nos últimos anos, tanto em relação ao crescimento da capacidade de geração instalada quanto aos avanços de fontes renováveis para abastecimento do Sistema Interligado Nacional (SIN). Nesse sentido, o país tem dado ao mundo uma contribuição importante para o modelo de geração sustentável, o que, por outro lado, também tem garantido ao Brasil autoridade para debater esses temas em âmbito internacional.
Há dados e números de todos os tipos, mas nenhum será capaz de negar que o Brasil incorporou a ideia de sustentabilidade energética em seu planejamento. Entretanto, entre esses desafios, neste momento, está um que preocupa: atribuir às fontes renováveis, entre as quais, a geração distribuída, todos os males do setor elétrico, deixando de lado a sua importância na agenda de descarbonização do planeta.
Iniciemos pelo óbvio. O Brasil está forjando um modelo de expansão do setor elétrico, necessário para o crescimento do país, que propicia benefícios extraordinários na redução das emissões de gases de efeito estufa e poderá ser apresentado nos encontros globais que o país está prestes a receber, como a reunião do G20, no Rio de Janeiro, em novembro do próximo ano, e na COP30, no fim de 2025, em Belém (PA).
No ano passado, segundo dados do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o setor elétrico nacional reduziu suas emissões em relação aos anos anteriores. De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), as fontes renováveis (eólica e solar) e as hidrelétricas foram responsáveis por quase 90% dos 75,6 mil MW médios injetados no sistema em 2023.
Antes de falar de riscos sistêmicos sobre o setor ou de subsídios excessivos, é preciso compreender que o país estaria, em termos de emissões, em situação muito menos favorável se o setor elétrico estivesse emitindo CO2, como ocorre hoje no sistema de transporte público e de cargas e nos desmatamentos, este, o maior dos problemas.
Há um tema adicional que deve ser considerado nessa discussão. Companhias mundo afora, todas inseridas dentro da lógica do capitalismo, estão preocupadíssimas com a situação climática. Lá, como cá, estão desenvolvendo programas robustos de controle das emissões, promovendo diversas frentes para mudar suas matrizes de suprimento de energia.
As instituições de crédito e fomento estão deslocando centenas de bilhões de dólares para projetos sustentáveis e acelerando a movimentação de recursos no mercado global de créditos de carbono, negócio que pode superar, em muitas vezes, os recursos aplicados em subsídios para que o país pudesse criar esse modelo de negócio no mundo da energia. O Congresso Nacional discute o Marco Legal do Mercado de Carbono, que voltou ao Senado após a Câmara mudar o texto aprovado pelos senadores. O Brasil pode começar a ganhar muito com isso. Aliás, isso já começou.
Não é por outras razões, senão pela posição brasileira também na sustentabilidade de sua matriz elétrica, que o país conseguiu, em junho, uma segunda emissão de greenbonds no mercado internacional. Títulos do Tesouro com vencimento de sete anos e juros ainda menores de 6,375% ao ano. Somadas as captações de novembro de 2023 e junho de 2024, o Brasil conseguiu negociar títulos da dívida brasileira no montante de US$ 4 bilhões. Os juros de agora foram menores do que o negócio no ano passado, de 6,5% a.a. Não teria obtido essas linhas se não tivesse criado um modelo sustentável que tem evidência para o mundo.
Isso não ocorre por acaso. O setor elétrico brasileiro não é responsável pela posição de sexto maior emissor de gases do efeito estufa (GEE) do planeta, com 2,3 bilhões de toneladas de emissões, conforme dados de 2022 coletados pelo Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), elaborado pelo Observatório do Clima. Não é exagero afirmar que o Brasil só está nessa posição em razão dos benefícios ambientais produzidos por décadas de desenvolvimento dos projetos de geração de energia. Sem isso, o Brasil estaria, isso sim, liderando o triste ranking dos poluidores do mundo.
Se há ajustes necessários para a convivência entre as fontes renováveis e as fontes mais tradicionais, que os façamos. Entretanto, não podemos destruir um arranjo institucional construído pelo país com grande esforço para contemplar visões retrógradas que enxergam apenas o balanço energético do próximo mês, e não uma visão mais estrutural que se alinha ao espírito de preservação global, sobre o qual o Brasil tem papel central e está exercendo com liderança.
É fato. Nossas emissões de GEE seriam muito piores se não tivéssemos o atual modelo de geração de energia elétrica. A nossa posição como emissor global nada tem a ver com o setor elétrico, mas, sim, com as políticas de governos descompromissados com a preservação dos nossos biomas e de um sistema de transporte e logística sustentado no diesel fóssil. Devemos preservar o modelo que criamos no setor elétrico renovável — talvez, ajustá-lo para mecanismos mais novos —, mas não promover sua destruição em razão de ele ter se tornado exitoso demais diante das fontes concorrentes. Não há lógica nisso.
*Conselheiro do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), membro da Mobilização Empresarial pela Inovação da CNI e conselheiro de empresas
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