Editorial

Visão do Correio: PEC da Anistia fere a representatividade

A partir de agora, os partidos serão obrigados a aplicar um total de 30% dos fundos eleitoral e partidário e ficam perdoados do descumprimento da cota nas eleições passadas

pri-2506-opiniao opinião  -  (crédito: Caio Gomez)
pri-2506-opiniao opinião - (crédito: Caio Gomez)

Na última eleição municipal, em 2020, o Brasil ainda não havia promulgado a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. No entanto, em 10 de janeiro de 2022, por meio do Decreto nº 10.932/2022, o Estado brasileiro ratificou esse acordo internacional para a erradicação do racismo e a promoção da igualdade racial. Em 2024, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, na ocasião da ADI 7654, reforçou que a convenção, incorporada ao ordenamento interno na forma do § 3° do art. 5° da Constituição Federal de 1988, impõe que o Estado brasileiro adote políticas de promoção da igualdade de oportunidades para pessoas ou grupos sujeitos ao racismo, à discriminação racial e a formas correlatas de intolerância.

São medidas de caráter educacional, medidas trabalhistas ou sociais, ou outras necessárias para assegurar o exercício dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas, conforme art. 6º do Decreto 10.932/2022. No âmbito federal, a Lei nº 12.990/2014 (lei de cotas raciais nos concursos públicos) visa à promoção da igualdade de oportunidades à população negra no acesso ao serviço público federal. Em 2017, por unanimidade, o plenário do STF declarou a constitucionalidade da lei.

Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indicam que, para as eleições municipais deste ano, 53% dos candidatos se declararam pardos ou pretos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pardos e pretos formam a população negra e representam 55,5% da população do país. Brancos são 46% do total, enquanto 0,5% se declara indígena e 0,4%, amarelo. Não há informação sobre a cor/raça de 0,7% dos registros. 

Essa maioria de candidatos negros é resultado direto da política de cotas para financiamento eleitoral. Nada mais justo, considerando os princípios da democracia representativa. Assim como se espera que os candidatos nas eleições municipais de 2024 acatem o desafio de propor políticas que visem proporcionar tratamento equitativo e garantir igualdade de oportunidades para todas as pessoas ou grupos sujeitos ao racismo e outras formas de discriminação e intolerância.

Por tudo isso, é um retrocesso a aprovação pelo Congresso, nesta semana, da chamada PEC da Anistia. A proposta de emenda constitucional perdoa dívidas de partidos e tira verba de candidatos negros. O texto, cujas regras valerão nas eleições de outubro próximo, reduz a parcela obrigatória de recursos em candidaturas de pretos e pardos. Até as últimas eleições, essa cota tinha que obedecer à proporção de candidatos pretos e pardos lançados pelo partido em todo o país, sem um limite. Em 2022, por exemplo, eles somaram mais da metade das candidaturas.

A partir de agora, os partidos serão obrigados a aplicar um total de 30% dos fundos eleitoral e partidário e ficam perdoados do descumprimento da cota nas eleições passadas. O pretexto são as populações do Brasil Meridional, predominantemente branco. É uma decisão, porém, que aprofunda as diferenças em um Brasil significativamente negro e se choca com iniciativas, inclusive de proporções internacionais, que têm sido adotadas para combater a desigualdade racial de forma mais estruturada. 

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postado em 17/08/2024 06:00
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