André Mendonça Cândido — Aluno de sociologia na UnB, pesquisador do cinema negro, fotógrafo e artista visual
O silenciamento e a invisibilização dos trabalhos e vozes negras têm sido perpetuados na sociedade brasileira desde o período colonial. Esses processos, edificados em uma história de opressão e inúmeras formas de racismo, não apenas negam a contribuição cultural e intelectual das pessoas negras, mas também perpetuam um ciclo de exclusão e marginalização. Como ressalta Lélia Gonzalez em suas obras, a colonização impôs um sistema de dominação que silenciou as culturas africanas e suas descendências no Brasil. Abdias do Nascimento, em O genocídio do negro brasileiro, aponta que uma das minúcias do racismo é a exclusão sutil ou a morte simbólica, que convence a própria pessoa negra de que sua relevância é nula ou limitada.
Um exemplo dessa invisibilização é Johnny Alf, considerado o verdadeiro pai da Bossa Nova. Seu conhecimento foi fundamental para o desenvolvimento do gênero — no entanto, o compositor raramente esteve no foco de atenções da mídia. Sua timidez e, quiçá, a dificuldade em lidar com sua homossexualidade no Brasil dos anos de 1960 fizeram de Johnny Alf uma figura enigmática e interessante na música brasileira. A música Ilusão à toa, lançada em 1961, aborda sua experiência homossexual de forma sutil, tratando o tema liricamente pela primeira vez na MPB.
Entretanto, a falta de reconhecimento de Alf como pai da Bossa Nova é resultado do racismo. Não se trata do racismo explícito, como aquele que afeta uma criança negra em uma escola particular ou causa a morte de um homem negro em um estacionamento de supermercado, mas, sim, do racismo em suas formas veladas e quase despercebidas, que são igualmente letais. Em uma reportagem publicada no The New York Times de agosto de 2010, Nelson Valença, que foi produtor de Alf por mais de 20 anos, afirmou: "Houve um movimento para promover Tom Jobim, que era rico, branco, jovem e bonito. Talvez, ele (Alf) fosse alguém que poderia ofuscar Tom Jobim".
Esse comentário evidencia o processo de embranquecimento das artes brasileiras, transformando a bossa nova em um marco das artes musicais do país, afastando-a de suas raízes negras e populares. Ao fazer isso, promoveu-se a imagem de um Brasil branco, universitário e feliz, distante da realidade das periferias.
No campo da literatura, dois dos maiores escritores brasileiros, Machado de Assis e Lima Barreto, também enfrentaram esse embranquecimento. Machado de Assis, reconhecido como um dos maiores escritores da língua portuguesa, era descendente de afro-brasileiros. Apesar da grandeza de suas obras, a cor de sua pele muitas vezes foi ignorada ou "branqueada" pela historiografia literária.
Da mesma forma, Lima Barreto, conhecido pelas críticas sociais e retratos realistas da vida no Brasil, teve sua identidade racial silenciada. Barreto escreveu sobre a marginalização e a luta dos afro-brasileiros, mas a própria identidade como homem negro é frequentemente omitida ou minimizada.
Atualmente, Dalton Paula, nascido em Brasília e residente em Goiânia, trabalha para resgatar a imagem negra na arte. Ele esteve presente na Bienal de Veneza, na Itália, no último ano, levando várias obras que retratam figuras históricas negras nunca representadas. Dalton se dedica à construção da identidade negra de pessoas que viveram entre os séculos 16 e 19, resgatando histórias esquecidas e dando voz a figuras invisibilizadas pela história oficial.
Além de artistas já nas páginas da história, muitos artistas negros contemporâneos ainda enfrentam dificuldades com o racismo. Lázaro Ramos e Taís Araújo, por exemplo, têm se destacado no cinema e na televisão, mas frequentemente enfrentam barreiras e estereótipos raciais. Emicida, um dos principais nomes do rap brasileiro, utiliza sua música para abordar questões de raça e desigualdade, trazendo as experiências vividas pela população negra.
Esse ciclo de silenciamento e invisibilização, construído ao longo da história do Brasil, ainda impacta a sociedade contemporânea. A arte e a expressão cultural têm um poder transformador, capaz de desafiar e mudar narrativas opressivas. Reconhecer e celebrar as contribuições de artistas negros é um passo para construir uma sociedade mais inclusiva e diversa.
Para isso, é fundamental que cada um de nós se envolva no apoio aos artistas negros, promovendo e divulgando suas obras e lutando contra as formas sutis e explícitas de racismo que ainda existem.
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