Políticas públicas baseadas em evidências científicas, "uma boa dose de humildade para dialogar" e o estabelecimento de projetos e parcerias que resistam à sazonalidade política estão entre os caminhos indicados pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para enfrentar a crise ambiental e posicionar o Brasil em um local de destaque na geopolítica ambiental. Ao Correio, a ministra também garantiu que a fórmula tem efeito atestado — como a queda do desmatamento da Amazônia em 83% durante 10 anos —, mas nem sempre está entre as prioridades de gestores públicos e privados e é ameaçada pelo avanço do negacionismo pelo mundo.
No cenário nacional, Marina elenca como um dos maiores retrocessos a mudança na legislação ambiental durante a gestão de Jair Bolsonaro que flexibilizou a ocupação de áreas de preservação permanente. Os municípios passaram, por exemplo, a poder permitir a construção de edificações mais próximas a rios e encostas — uma configuração que pode potencializar tragédias climáticas como a que acomete o Rio Grande do Sul desde abril e os desabamentos registrados frequentemente em áreas periféricas do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Há, no país, um deficit de cerca de 10 milhões de hectares de área de preservação permanente que depende da mobilização de gestores públicos de todas as esferas para ser sanado. Em tempos de alternância de poder, como agora, espera-se dos eleitores que considerem essa e outras pautas ambientais na escolha de quem decidirá sobre temas climáticos que os afetam diretamente. Gestão eficaz do lixo, controle de construções em áreas verdes e um plano estruturado de resposta a emergências ambientais são alguns dos pontos imprescindíveis em qualquer projeto de governo — incluindo os municipais — que pretenda dialogar com as agendas ambiental e climática.
Mas eles ainda são poucos. Pesquisa da Confederação Nacional de Municípios (CNM) divulgada em março mostra que apenas 22% dos gestores brasileiros consideram que seus municípios estão preparados para enfrentar as mudanças climáticas, e o principal motivo para essa inaptidão é a falta de capacidade técnica e financeira — 68% relatam nunca ter recebido recurso de Estados ou do governo federal para atuar na prevenção à crise ambiental. Outro levantamento recente da CNM indica que, de 5.268 municípios brasileiros, 2.801, o equivalente a 87%, estão em situação considerada alta ou muito alta para a ocorrência de inundações, enchentes e alagamentos.
Na avaliação da ministra, vivemos uma "verdadeira guerra", que exige das autoridades "sair da lógica da gestão do desastre para a da gestão do risco". Marina Silva cita como um movimento nesse sentido o atual programa de enfrentamento à crise no Pantanal. Baseados em evidências científicas, órgãos federais e locais começaram a se preparar para o período de incêndios deste ano em 2023. Ainda assim, o bioma enfrenta uma crise histórica — o primeiro semestre de 2024 é o pior dos últimos 26 anos.
Outro desafio é a preservação do Cerrado, que, para a ministra, precisa ser impulsionada por uma mudança de legislação. Segundo ela, enquanto a lei estabelece que 80% da Amazônia deve ser preservada e 20%, usada, a porcentagem referente ao Cerrado prega o contrário. O desprotegido bioma, porém, tem força de sobra para pautar os próximos debates eleitorais: ocupa 25% do território brasileiro e concentra as nascentes que alimentam oito das 12 regiões hidrográficas do país.
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