A tensão diplomática que se instalou na América Latina constitui o desafio mais urgente para a política externa brasileira. É fundamental que a chancelaria do presidente Luiz Inácio Lula da Silva atue de modo a distensionar o ambiente deflagrado na região. Para alcançar esse fim, o Palácio do Planalto e o Itamaraty precisam explicitar valores dos quais o Brasil não abre mão — entre os quais, o compromisso inarredável com a democracia e os direitos humanos.
Nem sempre tem sido assim. A escalada autoritária de Nicolás Maduro na Venezuela, há anos, vem sendo tolerada pela esquerda brasileira, em particular pelo atual chefe do Planalto. Enquanto político progressista, Lula pode até declarar simpatia — ainda que muito questionável — ao chavismo e seus representantes. Mas a partir do momento em que representa o Estado brasileiro, tem o dever de expressar contundente repúdio a movimentos antidemocráticos de toda sorte — como perseguição e prisão de adversários políticos —, bem como manifestar séria preocupação com a crise política em Caracas.
Foram inadequados, portanto, os comentários emitidos por Lula dois dias depois do pleito de 28 de julho. "Não tem nada de grave. Não tem nada de assustador. Tem uma eleição, tem uma pessoa que disse que teve 41%, teve outra pessoa que disse que teve 50%, entra na Justiça e a Justiça faz", disse o presidente. Ora, é público e notório que o Poder Judiciário na Venezuela, cooptado pelo chavismo, carece de credibilidade. Acreditar que o processo eleitoral no país vizinho está revestido de transparência e legitimidade, sem uma inequívoca comprovação documental, é mero exercício de retórica.
Transmite um pouco mais de seriedade a declaração conjunta de Brasil, México e Colômbia, divulgada na última quinta-feira, na qual se exige a divulgação das atas de votação do pleito venezuelano. Passados 14 dias da eleição, não há sinal de que o regime de Nicolás Maduro pretenda trazer à luz do dia a comprovação de sua vitória nas urnas. Ante o escapismo de Caracas, cumpre ao governo brasileiro manter posição intransigente pela preservação do rito democrático, com o devido reconhecimento tanto do regime chavista quanto de seus opositores.
Firmeza e convicção democrática também devem ser mantidas com o regime de Daniel Ortega, da Nicarágua. Agiu corretamente o governo brasileiro ao expulsar a embaixadora nicaraguense, em gesto de reciprocidade ao ato arbitrário cometido por Manágua em relação ao embaixador Breno de Souza da Costa. O episódio evidencia como urge ao presidente Lula corrigir a complacência com Ortega — em 2021, o petista chegou a ponto de comparar a permanência do ditador latino-americano no poder ao longevo governo da ex-chanceler alemã Angela Merkel. Máscaras de ditadores não demoram a cair.
Reconhecida como uma das mais qualificadas do mundo, a diplomacia brasileira terá de trabalhar com afinco para evitar que miopias ideológicas levem a posturas equivocadas em contenciosos internacionais. A tensão política na América Latina — onde regimes ultraliberais convivem com esquerdistas — demanda uma política externa equilibrada, técnica e firme, que deixe clara as diretrizes democráticas do Estado brasileiro.
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