CELINA LEÃO — Vice-governadora do Distrito Federal
A comemoração dos 18 anos da Lei Maria da Penha nos convida a refletir profundamente sobre o Brasil que vivemos e o Brasil que queremos construir. Essa legislação, que é um marco na proteção das mulheres contra a violência doméstica, traz à tona questões críticas, como a misoginia, o preconceito ainda enraizado e a invisibilidade das mulheres em nossa sociedade.
Apesar dos avanços, é comum que as mulheres só ganhem evidência quando se tornam vítimas de feminicídio, com suas desgraças estampadas nos jornais. No entanto, existem inúmeros crimes que precedem essas tragédias e merecem nossa atenção e, sobretudo, ação. A criação de legislações específicas, como a Lei da Violência Psicológica, representa um passo significativo.
Durante meu mandato na Câmara Federal e como coordenadora da bancada feminina, tive a oportunidade de articular e aprovar essa lei, que é fundamental para retirar do limbo jurídico os crimes de violência psicológica que, na maioria dos casos, precedem o feminicídio.
Antes, muitas mulheres chegavam às delegacias sem conseguir enquadrar suas denúncias em nenhum artigo do Código Penal, pois as agressões eram de natureza psicológica e emocional. Com a lei, tipificamos ações que possam degradar ou controlar ações, comportamentos, crenças e decisões das mulheres. Ao todo, foram mais de 200 projetos apresentados pela bancada, dos quais 78 viraram leis.
Também avançamos para garantir um ambiente mais seguro e inclusivo para a participação das mulheres na política com a Lei da Violência Política. O ambiente hostil, muitas vezes, desencoraja a participação feminina, resultando em avanços tímidos na representatividade. Exercer nosso direito como cidadãs não é privilégio, mas um valor democrático que trabalhamos arduamente para que prevaleça.
É inadmissível que ainda exista discriminação contra as mulheres nos espaços políticos e de poder. Nas últimas eleições, a bancada feminina na Câmara dos Deputados passou de 77 para 91 parlamentares. É o maior número da história e um grande avanço. Porém, 18% a mais de parlamentares mulheres em um universo de 513 deputados federais é um crescimento tímido perto de quantas somos no Brasil.
Para além de um marco contra a violência doméstica, a Lei Maria da Penha mudou o enfoque de questões em que precisamos evoluir ao trazer a violência doméstica para o âmbito social, desmistificando a ideia de se tratar de um problema estritamente familiar. É uma cultura que se reflete em todos os âmbitos das nossas vidas.
A tipificação do feminicídio, por sua vez, trouxe ainda mais luz à Lei Maria da Penha, permitindo uma melhor quantificação e análise dos casos de violência extrema contra as mulheres. Saber quantas morrem por serem mulheres é crucial para a formulação de políticas públicas eficazes.
Nesse contexto, a presença de Maria da Penha em eventos recentes, como no Distrito Federal, simboliza a vitória de todas as mulheres. A celebração dos 18 anos dessa lei não é uma vitória partidária, mas de todas as mulheres brasileiras. Aprendi, ao longo da minha trajetória na bancada feminina, que, antes de sermos ligadas a qualquer partido, somos mulheres com lutas e histórias diversas, cada uma contribuindo para uma sociedade mais justa.
Para a mulher que quase perdeu a vida e dá nome à lei reconhecida como umas das mais avançadas sobre os direitos humanos em todo o mundo, ver o Brasil avançando em termos de legislação e compromisso é motivo de orgulho. Assim como o é para mim, que pude contribuir com modificações importantes na legislação, como a introdução da tornozeleira eletrônica para agressores, garantindo maior proteção das vítimas.
Não podemos retroceder no avanço dessas legislações. Temos que nos lembrar que cada uma dessas vitórias e a maioridade da Lei Maria da Penha carregam um simbolismo fundamental para nós que lutamos pela vida das mulheres. Isso passa necessariamente em termos cada vez mais mulheres ocupando espaços de destaque dentro e fora da política.
Essa luta apartidária é realizada não só por quem detém mandatos, mas em conjunto com os movimentos sociais e por pessoas anônimas. Juntos — porque essa batalha também deve ser dos homens —, trabalhamos todos os dias por um país em que cada uma tenha realmente o direito de viver, de não apanhar e morrer por ter nascido mulher, de ter fé na vida e de ter o respeito das pessoas.
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