Aldo Paviani — Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), geógrafo e membro do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais (NEUR/Ceam) e do Núcleo do Futuro (NF/Ceam/UnB)
O mundo urbano mudou desde 1933, quando Losch e Walter Christaller formularam a Teoria dos Lugares Centrais (TLC). São de mais de 90 anos até hoje. Mas, contemporaneamente, não se pode encontrar lugares em que há uma cidade que comande apenas seis outras em uma região. Sempre há um grande centro que comanda 10, 20 ou mais cidades. Pode-se dar exemplos brasileiros, como Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Florianópolis, Porto Alegre e muitas outras que têm cidades ao redor que sempre dependem dos grandes centros para obter serviços, resolver problemas ligados ao sistema de governo adotado ou que tenham preferência para compras na indústria ou no comércio existente.
Todavia, não há planície ou território que tenha redes urbanas em um sistema hexagonal, com uma cidade central e as dependentes ao seu redor uniformemente no estilo centro/periferia hexagonalmente distribuídas no espaço regional. Assim, não existem cidades em regiões em que haja uma cidade central e seis outras distribuídas de tal forma que surjam cidades no Sistema Christaller, sob a teoria TLC. Bom se assim fosse. Seria importante para o planejamento urbano ter cidades distribuídas em regiões com arranjo hexagonal porque facilitaria a gestão urbana aos níveis nacional, regional e sub-regional.
Logicamente, pela colonização europeia das Américas, há mais cidades importantes ao longo do litoral do que no hinterland. Pode-se dar exemplos importantes no interior fugindo do modelo colonizador, como São Paulo, Manaus, Porto Alegre, Campo Grande e outras tantas cidades. Igualmente, essas capitais. Comandam regiões por vezes grandes ou como São Paulo, cuja área de influência se estende por todo o país. Nesse aspecto, não há a mínima forma hexagonal na distribuição das cidades subalternas nas regiões circundantes, o que significa que outras teorias devem ser pensadas para esses casos. Fica a deixa para os profissionais do urbano — urbanistas, geógrafos e arquitetos — preocupados com as análises da distribuição das cidades nos territórios em que algumas novas teorias devem ser intentadas.
À parte de teorias e de intenções de adaptá-las à realidade construída, deveremos avaliar a cidade que se formou a partir de um núcleo de sustentação, o Núcleo Bandeirante, no DF, que denominei de "verdadeiro empório", colaborando com o comércio local que, desde tijolos, ferro e trabalho braçal, deu impulso às obras da Esplanada dos Ministérios e das unidades de vizinhança — prédios construídos para os técnicos e serviçais que deram vida ao que se pretendia nos primórdios: uma cidade acolhedora, que foi essencial para que o Sonho de Dom Bosco se tornasse a Brasília, uma cidade com mais de 64 anos, viva e pujante, verdadeiro polo de desenvolvimento, como queria o ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Também Brasília facilitou a implantação da cidade de núcleos múltiplos (como denominei há quase 20 anos), uma cidade estelar disseminada no território que abrigou trabalhadores, como Taguatinga, em 1958 e, depois, Gama, em 1960, e os demais núcleos urbanos. Houve também expansão de Brazlândia e de Planaltina, núcleos preexistentes ao desenho do Distrito Federal, que abrigaram trabalhadores que prefeririam ter a casa ou o terreno próximo (como é divulgado na mídia local).
Com isso, temos, hoje, uma Brasília que irradia o desenvolvimento e as relações micro e macrorregionais de todo o país. No entender de geógrafo, faltam alguns movimentos em direção ao Norte do Brasil e ao antigo "Meio Norte" — isto é, ao ocidente do Nordeste —, que espera planos e projetos para ter melhor ligação com o poder decisório e com o Sul agroindustrial. É de se esperar que a trama urbana envolvente acabe por assimilar essa parte menos desenvolvida do país. Para isso, se deverá avaliar os potenciais dessa parte do Norte e do Nordeste para incluí-las naquilo que passou a denominar Brasil desenvolvido ou o Sudeste e Sul com história econômica desenvolvimentista tanto no que tange aos investimentos do governo — local e nacional — quanto aos desejos das empresas privadas, que avaliam ter obtido vantagens econômicas com a evolução e a ampliação da cidade.
Considera-se, portanto, Brasília, implantada e efetivada como capital do país, uma ideia muito importante para o Centro-Oeste e o sul do Norte terem expansão populacional e econômica que, sem essa cidade, não teria acontecido. Mérito, portanto, de JK e de todos os trabalhadores que chegavam a virar a noite para cumprir a meta estabelecida. Planejada ou não, a cidade é mundialmente reconhecida como capital do terceiro milênio.
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