Artigo

Ao presidente Lula

A postura de Lula não condiz com a de chefe de Estado de um país que esteve prestes a sofrer um golpe sob o governo de Jair Bolsonaro. Também é incoerente, quando se recorda que o Brasil enfrentou os anos de chumbo, entre 1964 e 1985

Demonstrators confront riot police during a protest against Venezuelan President Nicolas Maduro's government in Puerto La Cruz, Anzoategui state, Venezuela on July 29, 2024, a day after the Venezuelan presidential election. Venezuela braced for new demonstrations July 30, after four people died and dozens were injured when the authorities broke up protests against President Nicolas Maduro's claim of victory in the country's hotly disputed weekend election. (Photo by Carlos Landaeta / AFP)
       -  (crédito:  AFP)
Demonstrators confront riot police during a protest against Venezuelan President Nicolas Maduro's government in Puerto La Cruz, Anzoategui state, Venezuela on July 29, 2024, a day after the Venezuelan presidential election. Venezuela braced for new demonstrations July 30, after four people died and dozens were injured when the authorities broke up protests against President Nicolas Maduro's claim of victory in the country's hotly disputed weekend election. (Photo by Carlos Landaeta / AFP) - (crédito: AFP)

O apego à aliança política por preferência ideológica somente faz sentido quando a democracia e o Estado de Direito são respeitados. Ante as evidências de irregularidades nas eleições da Venezuela, Luiz Inácio Lula da Silva — na condição de presidente da maior nação do Hemisfério Sul — tinha o dever moral de condenar o comportamento do presidente Nicolás Maduro e de reconhecer Edmundo González Urrutía como líder eleito. A postura de Lula não condiz com a de chefe de Estado de um país que esteve prestes a sofrer um golpe sob o governo de Jair Bolsonaro. Também é incoerente, quando se recorda que o Brasil enfrentou os anos de chumbo, entre 1964 e 1985, com a diferença de que, enquanto por aqui o poder estava com os militares, na Venezuela, ele permanece nas mãos de um civil que comprou os militares com cargos no governo, com dinheiro e compra prestígio. Maduro destruiu a Venezuela. Corroeu a economia, dilapidou a sociedade, forçou a fuga de milhões de pessoas para o exílio. 

Em meio ao desastre, Maduro aperta o cerco à oposição e tenta sufocar as vozes das urnas. Típico de ditadores, que têm desprezo pelo mínimo sinal de democracia. Na noite de segunda-feira, depois que os opositores María Corina Machado e Edmundo González Urrutía conclamaram as Forças Armadas a se colocarem ao lado do povo e a desconhecerem Maduro como presidente, o assecla de Hugo Chávez determinou uma investigação criminal contra ambos e convocou Edmundo a prestar esclarecimentos no tribunal. Enquanto isso, imagino quantos prisioneiros políticos amargam dias e noites de tortura e de horror no Helicoide, o famigerado centro de detenção de Caracas, e em outras masmorras da Venezuela.

Lula, como democrata, não pode compactuar com desmandos e atitudes despóticas de supostos aliados ideológicos. Quem surrupia as eleições e faz galhofa do voto merece apenas desprezo. Lula tinha a obrigação de liderar uma frente latino-americana para exigir de Maduro o respeito à soberania popular. Alinhar-se a um ditador equivale a manchar a biografia de um governante que não pode se dar o luxo de errar, especialmente por ter ganho a confiança da população para um terceiro mandato. As declarações do brasileiro, logo depois das eleições de 28 de julho, foram desastrosas, ao minimizar algo tão grave. Na segunda-feira, ao ser recebido com vaias no Chile, o líder petista pediu que Maduro e oposição iniciem um "diálogo". Fico pensando se faria o mesmo caso Bolsonaro não tivesse aceito o resultado das últimas eleições e não lhe entregasse o poder.  

É preciso separar a ideologia do compromisso com a moral. Ser de esquerda, de centro ou de direita, e apoiar ditaduras — de extrema esquerda ou de extrema direita — não o fazem coerente. Pelo contrário: tal comportamento indica tendência a idolatrar apenas uma corrente de pensamento, ainda que o seu representante cometa atrocidades. Lula não personifica apenas a esquerda. Fala em nome do Brasil, de uma democracia. E precisa se pronunciar, em alto e bom som, contra as tiranias.

 

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postado em 07/08/2024 06:47 / atualizado em 07/08/2024 06:47
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