Meio ambiente

Estaremos prontos para 2033?

O Brasil está diante de uma jornada desafiadora, mas cheia de oportunidades. Com o comprometimento de governos, empresas e sociedade civil, é possível superar os obstáculos e alcançar a universalização dos serviços de saneamento

A Região Norte como um todo sofre com o risco da doença em áreas que ficam alagadas.  Em 2023, o Norte do país teve 331 casos de leptosirose, acima de 2022 (304).  A falta de saneamento básico em comunidades e bairros sem boa infraestrutura tornam o risco permanente ao longo do ano.  -  (crédito: Reprodução de vídeo Rede Amazônica )
A Região Norte como um todo sofre com o risco da doença em áreas que ficam alagadas. Em 2023, o Norte do país teve 331 casos de leptosirose, acima de 2022 (304). A falta de saneamento básico em comunidades e bairros sem boa infraestrutura tornam o risco permanente ao longo do ano. - (crédito: Reprodução de vídeo Rede Amazônica )

MARILEN RAMOS — Diretora de sustentabilidade e relações institucionais do Grupo Águas do Brasil

 O Brasil está em meio a uma importante transformação em seu setor de saneamento básico, impulsionada pelo recente Marco Legal que estabelece metas ambiciosas para a universalização dos serviços até 2033, com a possibilidade de extensão até 2040 em casos excepcionais. Mas, nestes três anos de Marco, o que mudou? Hoje, são mais de 100 milhões de pessoas sem coleta de esgoto e 30 milhões sem acesso à água tratada. Apenas uma em cada três pessoas tem esgoto tratado no país.

Os próximos nove anos serão cruciais para atingir a meta de universalização, em 2033, o que vai demandar investimentos vultosos de governos e iniciativa privada e uma governança muito bem estruturada no setor. Segundo estimativas da Abcon, serão necessários mais de R$ 300 bilhões em investimentos somente nos próximos quatro anos. 

Um ajuste significativo é a crescente participação do setor privado, antes liderado por empresas estatais. Leilões e parcerias público-privadas têm expandido a eficiência dos serviços, direcionando investimentos para a modernização da infraestrutura. Desde a aprovação do Marco, novos contratos já asseguram mais de R$ 64,6 bilhões em investimentos. Com leilões recentes e a privatização da Sabesp, este volume irá dobrar, atingindo cerca de R$ 130 bilhões, traduzindo-se em novas estações de tratamento e melhorias na qualidade do abastecimento, especialmente em regiões desfavorecidas. 

Entretanto, a transição para um modelo mais diversificado não está isenta de desafios. A regulação eficaz desse setor complexo é crucial para garantir o cumprimento dos contratos e o alcance das metas estabelecidas. Nesse contexto, o papel da Agência Nacional de Águas (ANA) e o fortalecimento das entidades reguladoras subnacionais são fundamentais para assegurar a qualidade e a sustentabilidade dos serviços prestados. 

A sustentabilidade financeira do setor também é um desafio. Modelos de tarifação que equilibrem a acessibilidade da população e a necessidade de investimentos são necessários. A adoção de tarifas sociais para populações de baixa renda e uma gestão eficiente dos recursos podem contribuir para a equidade no acesso aos serviços. 

Entretanto, a reforma tributária ameaça o equilíbrio dos contratos ao triplicar a carga de impostos para o setor. É crucial que o Congresso Nacional corrija este equívoco, estendendo ao setor o mesmo tratamento tributário dado ao setor de saúde, pois, sem saneamento, não há saúde. No contexto de tornar nossas cidades mais resilientes às ameaças impostas pelas mudanças climáticas, a redução das perdas de água e a universalização da coleta e tratamento dos esgotos são imperativos urgentes, não apenas para preservar os recursos hídricos, mas também para mitigar os impactos destas mudanças.

O compromisso do Brasil em reduzir suas perdas para 25% até 2033 demanda investimentos substanciais em infraestrutura, tecnologia e gestão eficiente. As perdas de água atualmente representam um desperdício significativo que compromete a eficácia dos serviços e exaure os recursos naturais, fazendo da sua mitigação uma prioridade estratégica. As perdas de água representam 37,8% do volume de captado dos nossos mananciais em 2022, segundo o Instituto Trata Brasil. A verdade é que não precisaremos captar mais água se conseguirmos reverter as perdas.  

O saneamento inadequado tem consequências devastadoras para o meio ambiente e a saúde pública. Além da poluição dos corpos hídricos, a falta de tratamento adequado dos esgotos reflete na saúde e na qualidade de vida da população. Comunidades sem acesso a serviços de saneamento estão mais expostas a doenças transmitidas pela água. Em 2021, houve quase 130 mil hospitalizações por doenças de veiculação hídrica, com uma incidência de 6,04 casos por 10 mil habitantes, gerando gastos de cerca de R$ 55 milhões. 

Para além dos desafios técnicos e operacionais, a implementação do novo Marco Legal também requer um esforço coordenado de educação e conscientização. A população precisa ser informada e engajada nos processos de melhoria do saneamento, entendendo a importância do uso responsável da água e da adesão às práticas de saneamento sustentável. Campanhas educativas e programas de capacitação são ferramentas essenciais para garantir o sucesso das políticas implementadas. 

O Brasil está diante de uma jornada desafiadora, mas cheia de oportunidades. Com o comprometimento de governos, empresas e sociedade civil, é possível superar os obstáculos e alcançar a universalização dos serviços de saneamento. Essa transformação beneficiará a saúde, o meio ambiente e contribuirá para o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida de toda a nação.

A implementação eficaz do Marco do Saneamento Básico é, portanto, uma questão de vontade política, investimentos bem direcionados e engajamento coletivo. Somente com uma abordagem integrada e colaborativa será possível alcançar as metas estabelecidas e transformar o setor de saneamento no Brasil, tornando-o um exemplo de sucesso para outras nações em desenvolvimento.

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postado em 06/08/2024 06:00
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