Um dia depois de se consagrar a melhor atleta da ginástica olímpica de Paris-2024, a norte-americana Simone Biles foi às redes sociais para postar uma foto em que aparece meditando justamente durante a competição que lhe rendeu a medalha de ouro. Na legenda, reforçou um tema que também marca a sua história no esporte mundial: "Saúde mental importa", escreveu, no perfil do Instagram, a jovem que há três anos desistiu de disputar as finais das Olimpíadas de Tóquio porque, quando pisava no tablado, era ela e a sua cabeça "lidando com os demônios".
Biles não está sozinha. Os dados mais recentes do Estudo sobre a Carga Global de Doenças, referentes a 2019, revelam que, no mundo, em cada grupo com 10 pessoas com 5 a 24 anos, uma tem pelo menos um transtorno mental diagnosticável. Entre as crianças, o mais comum é a ansiedade. No caso dos adolescentes, a depressão. Levantamento com dados do Sistema Único de Saúde (SUS) mostra que, em 2022, pela primeira vez na história, os registros de ansiedade em crianças e jovens brasileiros ultrapassaram os de adultos.
Os autores do estudo global sobre a saúde mental de jovens ponderam que os impactos da pandemia da covid-19 não fizeram parte da pesquisa e que a expectativa é de que a próxima versão retrate "um aumento considerável" dos dois distúrbios mais prevalentes. Sedentarismo, uso excessivo de dispositivos eletrônicos, violência urbana, racismo e as desigualdades socioeconômicas também estão entre os fatores associados, assim como uma predisposição maior a problemas de saúde mental nessa etapa da vida.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), metade de todas as condições de saúde mental começa aos 14 anos de idade, sendo que a maioria dos casos não é detectada nem tratada. Falta, portanto, um sistema de assistência capaz de responder com eficácia a esse problema de saúde pública. A agência das Nações Unidas recomenda que os governos ofereçam uma abordagem multinível — englobando plataformas variadas, como mídias digitais, hospitais, órgãos de assistência social e escolas — e evitem a institucionalização e a medicalização excessiva.
A situação brasileira parece desafiante. Dados do Censo Escolar mostram que, em 2023, havia psicólogo em apenas 12% das escolas brasileiras, por exemplo. Levantamento do Instituto República.org indica que, em 2021, 90% das cidades do país tinham menos de um psicólogo e psicanalista no SUS para cada grupo de mil habitantes. Uma das consequências desse suporte tão restrito é que os profissionais de saúde mental precisam limitar os atendimentos aos casos de urgência — geralmente, quando a pessoa está em um quadro mais agravado de adoecimento psíquico. Perde-se, dessa forma, a oportunidade de ofertar intervenções que tendem a ser mais eficazes e, principalmente, de permitir que os jovens tenham acesso a abordagens preventivas.
A meditação a que recorre Biles é uma das estratégias que resultam em benefícios à saúde mental com benefícios cientificamente comprovados. A prática regular de atividades físicas — incluindo esportes profissionais e amadores — e a psicoterapia, também. O leque é diversificado, mas precisa sair das teorias e chegar à juventude e ao resto da população. Ao anunciar, em 2021, que precisava dar "um passo atrás" para proteger sua mente e seu corpo, a jovem ginasta deu sua contribuição. Reconheceu suas fragilidades, mas também acelerou um movimento urgente de quebra de tabus e paradigmas.
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