Artigo

A única opção

Palestinos e israelenses devem sentar-se, em volta de uma mesa, sem condições prévias, e encontrar uma solução. Há lugar para que esses povos, ambos originários da região, possam desenvolver sua cultura lado a lado, em paz

Israel, por exemplo, tem, atualmente, cerca de 22 mil quilômetros quadrados, o equivalente a Sergipe, o menor dos estados brasileiros. -  (crédito: Francois Lo Presti/AFP)
Israel, por exemplo, tem, atualmente, cerca de 22 mil quilômetros quadrados, o equivalente a Sergipe, o menor dos estados brasileiros. - (crédito: Francois Lo Presti/AFP)

JAIME PINSKY - Historiador, professor titular aposentado da Unicamp, doutor e livre docente da USP e escritor

A rapidez com que chegam as notícias, a pressa com que as lemos, ou as ouvimos, e a superficialidade com que as absorvemos fazem com que, com frequência, não prestemos a atenção devida a algumas informações relevantes e façamos juízos apressados, baseados em visões preconcebidas. A situação política na região que denominamos Oriente Médio é um caso que desperta paixões, afirmações levianas e críticas violentas a todos os personagens do drama que se passa em um palco em que, séculos atrás, atuaram atores de importância histórica — Jesus, Moisés, David e Golias, e tantos outros. O cenário também é familiar, pois falamos de Jerusalém, da Galileia, do Mar Morto e de Gaza, entre outros locais tão próximos de nossa cultura. 

Alguns dados quantitativos são importantes para que saibamos o tamanho de alguns dos atuais personagens. Israel, por exemplo, tem, atualmente, cerca de 22 mil quilômetros quadrados, o equivalente a Sergipe, o menor dos estados brasileiros. Apenas como comparação, o Irã tem cerca de 1.648 mil quilômetros quadrados, é aproximadamente 75 vezes maior do que Israel. Não o dobro, ou o triplo, mas 75 vezes maior. A população do Irã, cerca de 87 milhões de habitantes, é 10 vezes maior do que a israelense. Esses números são interessantes e importantes, pois não se pode reproduzir a imagem de um Israel gigante em território e população. Enquanto Israel não passa de um Vale do Paraíba em território, o Irã equivale a mais de cinco vezes o tamanho de todo o estado de São Paulo.

Mas esses números são o de menos. Interessa mais conhecer o processo de formação do Estado de Israel para podermos entender melhor o que está se passando por lá. Judeus nunca tiveram, na Antiguidade, uma estrutura estatal poderosa. Por mais que David e Salomão apareçam nos escritos do cânone bíblico como importantes monarcas, os historiadores especializados no tema seriam incapazes de comparar Judá ou Israel a Egito, Babilônia ou Pérsia. E o templo de Jerusalém, por mais bonito que fosse, não era uma construção do porte de outros, em termos de grandeza. Mas a documentação deixa claro que o monoteísmo ético diferenciava esse povo de vários outros, mesmo em períodos em que líderes políticos e religiosos não eram nada de excepcional e se utilizavam do poder para enriquecer e favorecer seus parentes e amigos. 

De qualquer forma, o importante, aqui, é ressaltar que, mesmo depois do ano 70 — quando o templo de Jerusalém foi arrasado, a região se tornou uma província romana e muitos judeus se espalharam pelo mundo —, nunca deixou de haver uma identidade judaica, uma espécie de identidade nacional (antes até de a concepção moderna de nação existir), e, até nas rezas, os judeus sempre falavam em retornar a sua terra de origem. Isso para deixar claro que a ideia do retorno a Sion não tem nada a ver com imperialismo inglês, em submeter habitantes originários, ou algo do gênero, como afirmam alguns desinformados.

Pelo contrário, a colonização judaica moderna da Palestina levou para a região, inicialmente, rapazes e moças da Europa Central e Oriental, provenientes do Império Czarista, esquerdistas, que tinham como objetivo criar células socialistas, o kibutz, onde nem a roupa de trabalho era propriedade pessoal, mas coletiva, as crianças eram criadas coletivamente, as refeições, também, e tinha como um dos objetivos resgatar os árabes palestinos de sua situação de penúria, explorados que eram pelos proprietários de terra, também árabes. Problema social, não nacional. 

As coisas tomaram um rumo diferente quando os ingleses venceram os turcos, o general Allenby ocupou a região em 1917 e a Inglaterra se tornou potência mandatária, situação que sustentou até 1948, quando a ONU, em assembleia geral comandada pelo brasileiro Osvaldo Aranha, dividiu a Palestina em duas partes: uma destinada aos judeus e a outra, aos árabes palestinos. Assim, não é verdade que a ONU não tenha se preocupado com os palestinos, como reiteram alguns desinformados (ou mal-intencionados). O problema, na ocasião, foi que os palestinos caíram no conto de alguns países vizinhos, que não achavam interessante a presença de um Estado moderno e democrático tão próximo deles, e se propuseram, juntos, a literalmente "jogar os judeus no mar". Não conseguiram. E não conseguirão, mesmo sendo muitos contra poucos.

A solução é óbvia: os lados devem sentar-se, em volta de uma mesa, sem condições prévias, e encontrar uma solução. Há muita terra inculta e muitas áreas não aproveitadas na região. Há lugar para que esses povos, ambos originários da região, possam desenvolver sua cultura lado a lado, em paz. É o que as pessoas de boa vontade, do mundo todo, precisam desejar. E não apenas é possível, mas é a única opção.

 


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postado em 04/08/2024 06:01
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