FRED MELO — Diretor executivo da República.org, instituto volttado para melhora da gestão de pessoas no serviço público brasileiro
O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a prorrogação da Lei de Cotas no serviço público no último mês de junho. Com essa medida, impediu que, na ausência de uma deliberação da Câmara dos Deputados, a lei perdesse a vigência. Na prática, o STF garantiu que não houvesse um vácuo jurídico. No entanto, ainda é necessário que a Câmara dos Deputados assuma a missão de aprovar essa proposta legislativa que traz avanços para o serviço público brasileiro.
O projeto de lei sobre as cotas amplia a reserva de vagas nos concursos públicos de 20% para 30% para pessoas negras, incluindo também pessoas indígenas e quilombolas. Além disso, de forma inovadora, determina que essa cota também seja aplicada para a contratação de cargos temporários. A esses dois avanços, acrescenta-se a determinação de redução de três para duas as vagas mínimas para realização de concursos com reservas de cota, na tentativa de mitigar um dos grandes entraves para a concretização da política afirmativa pretendida com a lei.
A atual lei, criada em 2014, chegou ao fim do seu prazo de 10 anos de vigência com resultados abaixo do esperado na administração pública federal. Ademais, não há dados sobre sua aplicação nos níveis estadual e municipal. Quando foi criada, pessoas negras correspondiam a 37,3% dos servidores federais, e, agora, estão apenas 2,6 pontos percentuais acima daquela marca inicial.
Um dos motivos para o lento crescimento da proporção de pessoas negras na administração pública federal está relacionado ao baixo número de concursos públicos realizados no período. Outra razão é a crescente utilização de contratações temporárias para suprir as necessidades de pessoal, uma situação que não é contemplada pela lei atual, mas que é sanada na proposta que está em tramitação na Câmara de Deputados.
Para se ter uma ideia da importância desse último ponto, basta dizer que, entre os anos de 2014 e 2022, cerca de 121 mil profissionais temporários foram admitidos na administração pública federal. Se a nova Lei de Cotas estivesse em vigência, aproximadamente 36 mil (30%) pessoas teriam ingressado no serviço público por meio de ações afirmativas.
Dados do governo federal mostram que, em fevereiro deste ano, quase 40% dos servidores públicos ativos eram pessoas negras, em todos os níveis de governo. O número contrasta com o Censo 2022, que mostra que pretos e pardos são 55,7% da população brasileira. Segundo a definição do IBGE, pessoas negras são aquelas que se autodeclaram pretas ou pardas.
É essencial que haja maior representatividade da população negra na administração e na linha de frente da prestação de serviços públicos. Certamente, vai contribuir para a formulação e a implementação de políticas públicas para todos os cidadãos.
Os deputados podem discutir como melhorar o projeto de lei ou concluir que, mesmo com suas limitações, a nova proposta preserva os avanços da lei vigente e lhe acrescenta ganhos muito significativos. Os dois cenários são possíveis. Só não é aceitável que o tema esteja fora da lista de prioridades. Não há dúvidas de que a urgência social do tema está posta e precisa ser considerada para a inclusão desse assunto na pauta do dia.
Ademais, a partir da aprovação na Câmara dos Deputados e da sanção da nova lei, a mobilização social será crucial para que ela passe a valer para além das contratações no Poder Executivo Federal, tornando-se norma também para para as administrações estaduais, municipais e dos outros poderes.
Nesse ponto, o papel indutivo do governo federal é fundamental, inspirando os estados e municípios a também aplicarem a lei e tentarem corrigir tais distorções dentro de seus corpos burocráticos.
A aprovação final da Lei de Cotas no serviço público é um passo importante na longa jornada que o Brasil ainda terá que percorrer para garantir um serviço público cada vez mais diverso, representativo e próximo do cidadão. A caminhada já começou. Precisamos avançar e acelerar.
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