Cristovam Buarque — Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
A humanidade não é mais tema abstrato apenas de filósofos, mas ainda não é preocupação concreta dos políticos. A presidência do G20 no Brasil é a chance de os políticos despertarem para o fato de que o mundo não é mais a soma dos países. Agora, cada país é um pedaço do mundo, em um tempo não mais de abundância, mas com recursos escassos e o Estado esgotado. Com o evento Estados do Futuro, na semana passada, no Rio de Janeiro, o governo Lula deu um passo nessa direção.
O governo reuniu líderes e acadêmicos para debater como devem ser Estados e governos no futuro para enfrentarem problemas planetários, taxar os super-ricos e executar uma aliança mundial contra a fome. Temas que não eram considerados antes, quando a agenda se concentrava nos assuntos econômicos, dentro do interesse de cada país, sem considerar os limites ecológicos nem a imoralidade da desigualdade social, da pobreza e da fome.
O evento foi possível porque a presidência do G20 está no Brasil: o país que mais se parece com o mundo contemporâneo, integrado economicamente, mas dividido socialmente, cada país cortado por uma "cortina de ouro" que serpenteia o planeta, exportador de alimentos, com milhões de famintos, renda per capita equivalente à do mundo, concentração de renda tão grave quanto a concentração em escala mundial, com massa crítica intelectual capaz de pensar alternativas ao progresso insustentável, baseado apenas na economia. Lula é o estadista melhor posicionado para sentir os problemas do mundo, não apenas econômicos e nacionais, mas também sociais e ecológicos.
Ficou claro nos debates que há um choque entre os problemas que já são planetários e a política ainda feita no espaço eleitoral de cada país. Diversos palestrantes falaram que o enfrentamento dos problemas da humanidade ficou atrasado em relação aos compromissos dos políticos nacionais com seus eleitores presos aos interesses locais e imediatos, com o progresso definido pelo aumento anual da renda e do consumo para a população nacional no presente, e não pelo bem-estar de todos os seres humanos no longo prazo, em equilíbrio com a natureza. Foi dito que a política democrática precisa ser sintonizada com o humanismo, o que exige uma nova mentalidade política dos eleitores e dos eleitos. A formação dessa nova mentalidade depende da educação das novas gerações para enfrentarem os tempos de limites de recursos em uma perspectiva planetária.
O mundo precisa que o G20, sob o Brasil com a presidência do Lula, adote a ideia de que a educação é a chave para enfrentar o impasse civilizatório que integrou economicamente e desintegrou socialmente a humanidade, mantendo a política dividida por países, em busca de aumentar o PIB, em tempos de escassez e esgotamento dos estados nacionais. Para tanto, o Brasil deve liderar o movimento para toda criança do mundo estudar em escola de qualidade, independentemente de sua nacionalidade e da renda de sua família.
A luta da aliança mundial contra a fome pode ser vitoriosa com um programa de Bolsa Família Internacional e com um programa mundial de formação de professores, construção e equipamento de escolas. Ao lado do Bolsa Família Internacional, o Brasil e Lula no G20 devem propor um movimento global para retomar de forma ampla o programa Educação para todos, da Unesco, e oferecer educação básica para todas as crianças, os jovens e os adultos. O G20 é o caminho para essa ideia ser promovida, o Brasil é o país, e Lula é o estadista com legitimidade para defender a proposta.
Essa estratégia eliminaria a fome imediata, criaria a estrutura para sua eliminação definitiva e ainda enfrentaria, de forma humanista, o problema da migração, dando renda aos pobres para permanecerem em seus países acompanhando a educação de suas crianças: no lugar de desumanamente barrar a imigração, oferecer condições para fazer desnecessária a emigração.
O G20 seria o instrumento de adoção da atual geração de crianças para, no futuro, com mentalidade humanista e ecológica, elas adotarem a humanidade. Graças à educação universalizada e transformadora para um desenvolvimento sustentável, justo, democrático, sem "cortina de ouro", que separa as pessoas entre pobres e ricos, nem "cortina ecológica", que sacrifica gerações futuras: um mundo em que nenhum ser humano seja considerado imigrante geográfico, por vir de outro país; imigrante geracional, por ainda não ter nascido; ou "instrangeiro", excluído pela pobreza ou pelo preconceito dentro de seu próprio país.
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