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Artigo: Saúde da Família - o cuidado como prioridade

É chegado o momento de avançar na estratégia e permitir uma organização que viabilize o cuidado às pessoas que precisam, com atendimento em saúde perto de suas casas

Nísia Trindade Lima*, Felipe Proenço** 

A atenção primária à saúde é reconhecida mundialmente por melhorar os sistemas de saúde, o que a torna um pilar importante para políticas públicas. Pelo menos dois grandes resultados são observados nos países que adotam estratégias baseadas nesse modelo: forte impacto positivo na saúde, com maior expectativa de vida e menor mortalidade infantil, e mais equidade, garantindo mais acesso aos serviços de saúde em sociedades desiguais.

No Brasil, a atenção primária à saúde é sinônimo da Estratégia Saúde da Família, que, em abril, completou 30 anos de implantação. Em 1994, a Saúde da Família teve início como um projeto piloto com 328 equipes, especialmente na Região Nordeste. Hoje, são 52.227 equipes na quase totalidade dos municípios brasileiros.

As evidências favoráveis a essa iniciativa em nosso país são fartas. A cada expansão de 10% de Saúde da Família em um município, com uma equipe que permaneça no mínimo dois anos, alcança-se redução de, pelo menos, 5% na mortalidade infantil. Se a equipe permanecer oito anos, a queda pode chegar a 30%. Em um município que alcance pelo menos 70% de Saúde da Família, as mortes por doenças cardiovasculares diminuem mais de 60%.

O histórico da Saúde da Família acompanha a descentralização do Sistema Único de Saúde (SUS). Os municípios são os responsáveis pela gestão dessa estratégia, recebendo aporte de recursos da esfera federal. Diversas pesquisas nacionais reconhecem que o financiamento do Ministério da Saúde foi decisivo para o crescimento de equipes e seus bons resultados.

Apesar das avaliações positivas, o modelo que induziu a expansão da Estratégia de Saúde da Família foi extinto em 2019, colocando em risco todas as suas conquistas. Em seu lugar, foi implantado um programa chamado Previne Brasil, que trouxe para o SUS uma lógica que atrelou o financiamento ao cadastramento dos pacientes nas equipes de saúde da família. De fato, muitas pessoas foram cadastradas, mas o acesso às unidades básicas de saúde (UBS) ficou cada vez mais difícil. Hoje, uma parte grande das equipes tem um número superior de 4 mil pessoas para cuidar, dado incompatível com experiências internacionais exitosas.

Os dados sistematizados pelo Ministério da Saúde demonstram os problemas dessa iniciativa: muitas das pessoas cadastradas não foram atendidas nos últimos três anos. São aqueles que chegaram de madrugada na fila e desistiram de esperar por uma ficha. As equipes começaram a sentir a sobrecarga de pessoas cadastradas e precisaram limitar as ações. Em muitos municípios, os agentes comunitários de saúde tiveram que deixar de visitar as casas para ficar dentro do posto de saúde cadastrando os pacientes.

Para agravar essa situação, com o desmonte de programas como o Mais Médicos, ao final de 2022, mais de 4 mil equipes de Saúde da Família estavam sem médico. Em 2023, com a retomada do programa pelo presidente Lula, chegaram mais 12 mil novos médicos, que estão presentes em 82% dos municípios do país, e, hoje, 60% dos médicos nos municípios de alta vulnerabilidade são da iniciativa do governo federal. A retomada do Brasil Sorridente também foi fundamental para estancar a queda de equipes de saúde bucal ocorrida no período anterior. 

Ao completar 30 anos, é chegado o momento de avançar na estratégia e permitir uma organização que viabilize o cuidado às pessoas que precisam, com atendimento em saúde perto de suas casas. Em portaria publicada em abril, foi viabilizado o incremento de R$ 1,1 bilhão no repasse para os municípios. Além disso, é apresentado um novo modelo de cuidado com as pessoas, com a redução do número de pessoas vinculadas a cada equipe, que passarão a atender, em média, 2,5 mil pacientes.

O enfoque no cuidado será determinante no novo modelo: as pessoas terão garantido o acesso e serão acompanhadas ao longo do tempo. A criação de equipes nas UBS existentes permitirá a extensão do horário de atendimento e o acesso à saúde da família em horários noturnos. A satisfação das pessoas passará a ser monitorada, e os atendimentos realizados em domicílio pelos agentes e demais membros da equipe serão valorizados. 

É um novo momento para a Saúde da Família e para o SUS. Ele só é possível pela valorização da política pública que atenda à necessidade de saúde da população.

*Ministra da Saúde

**Secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde

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