Após meses de muita turbulência e graves denúncias de violações políticas, o processo eleitoral na Venezuela chega hoje a um dia decisivo. Será o momento de verificar nas urnas se é preciso dar um basta ao regime protagonizado por Nicolás Maduro, ou se o mandatário receberá a chancela para continuar no Palácio de Miraflores. A força de um processo eleitoral, quando justo e transparente, reside exatamente na sua simplicidade: quem tem mais votos ganha a disputa. Está eleito. E conquista a legitimidade da maioria para conduzir o destino da nação por um período determinado.
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O problema é que esse princípio democrático — eleições limpas e justas — tem sido sistematicamente subvertido por Nicolás Maduro. São inúmeras as denúncias que pesam contra o candidato da situação. Perseguição a adversários da oposição, interferência nas etapas do processo eleitoral, censura à imprensa e manipulação do Judiciário compõem a extensa lista de abusos e arbitrariedades. As violações patrocinadas pelo regime de Maduro, uma espécie de corolário do "socialismo do século 21" inaugurado por Hugo Chávez, alcançaram tal monta que foi preciso acionar mecanismos multilaterais — como o acordo de Barbados — para conter a sanha golpista proveniente de Caracas. Há, sim, motivos para se preocupar. É preciso lembrar que, há poucos dias, o candidato governista previu um "banho de sangue" em caso de derrota. Ninguém pode acreditar que Maduro esteja blefando.
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Apesar dos arroubos antidemocráticos do presidente venezuelano, a oposição está otimista com a votação deste domingo. Em entrevista ao Correio, o ex-embaixador Edmundo Urrutia mencionou que as "pesquisas sérias" dão ampla maioria à sua candidatura pela Plataforma Unitária Democrática. Mais importante, o candidato com chances de vitória antecipa o que entende como prática civilizatória em regimes democráticos: Maduro reconhecer a derrota e iniciar um processo pacífico de transição; e o novo presidente promover a reconstrução política, social e econômica do país.
Note-se que o momento delicado da Venezuela não é exclusividade de países com baixo grau de desenvolvimento. Há muito se tem dito sobre o fenômeno da erosão democrática, decorrente da ascensão de populistas e autocratas, de esquerda ou de direita, que repudiam o regime político consagrado após o colapso da União Soviética no fim do século 20. Na semana passada, a preocupação em garantir a estabilidade democrática estava patente nas palavras de ninguém menos do que o ocupante do cargo mais poderoso do mundo. Em mensagem histórica, e num gesto de grandeza política, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, abdicou de disputar a reeleição em nome de um objetivo primordial: "Na defesa da democracia, o que está em jogo é maior do que qualquer título".
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Independentemente de quem vença as eleições na Venezuela, o governo brasileiro precisa envidar esforços para que o valor da democracia se perpetue no país vizinho. É fato que, em caso de uma vitória de Maduro, esse caminho será mais difícil e improvável. Isso só aumenta a responsabilidade do presidente Lula, enquanto líder de projeção internacional, de colaborar para que a estabilidade política prevaleça na América do Sul. Quando uma democracia vai mal, todos perdem.