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Artigo: Brasil e as eleições da Venezuela

Autodeterminação, integração, interdependência e desenvolvimento são conceitos fundamentais que o governo e os brasileiros devemos considerar nos sensíveis momentos após a eleição na Venezuela

Pedro Silva Barros* 

Venezuela, país andino-caribenho-amazônico, é parte do entorno estratégico brasileiro, que deve ser zona de paz e livre de ingerência extrarregional. Compartilhamos extensa fronteira, a maior reserva de biodiversidade do mundo e a Ilha das Guianas, da Faixa Petrolífera do Orinoco à Margem Equatorial, rica em minérios e hidrocarbonetos.

Trapalhadas da política externa de Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo levaram o Brasil a reconhecer, no início de 2019, o autoproclamado Juan Guaidó como presidente da Venezuela. Pior, no fim de abril daquele ano, o governo brasileiro acreditou que Guaidó teria apoio militar para tirar Nicolás Maduro do poder. Após o erro de avaliação, o Brasil retirou todo o seu pessoal diplomático, militar, policial e de inteligência da Venezuela em um movimento sem precedentes de irresponsabilidade pela omissão.

O Brasil perdeu política e economicamente. Os venezuelanos perderam muito mais com o aprofundamento da crise, que também é social e migratória. China, Rússia, Turquia e Irã aumentaram sua presença em um país sancionado pelos EUA e coagido por  União Europeia e Grupo de Lima.

Centenas de milhares de venezuelanos migraram para o Brasil, onde foram recebidos pela bem estruturada Operação Acolhida. A maioria deles não votará neste domingo.

Mudanças de governo na Argentina (2019), Peru (2021), Colômbia (2022) e Brasil enterraram o Grupo de Lima. Em outubro do ano passado, as sanções foram levemente aliviadas com as negociações do Acordo de Barbados, que permitiu também entendimentos entre governo e oposição. A situação econômica parou de piorar. Chega-se o dia da eleição presidencial com os dois principais candidatos afirmando que serão vencedores e seus apoiadores confiantes, apontando para o próprio favoritismo.

Ainda que sobrem questionamentos sobre o equilíbrio das condições de disputa, não há dúvidas de que se trata de um processo competitivo, diferente do que foi em 2018, quando boa parte da oposição optou pela campanha abstencionista.

Autodeterminação, integração, interdependência e desenvolvimento são princípios e objetivos que balizam a presença e os interesses brasileiros na América do Sul. Esses são os conceitos fundamentais que o governo e os brasileiros devemos considerar nos sensíveis momentos após a eleição deste 28 de julho na Venezuela.

A preocupação imediata é que a votação transcorra normalmente, com possibilidade do exercício de voto para todos. Um quórum superior à metade dos 21 milhões de eleitores habilitados é desejável. Em 2018, Maduro foi eleito com 6 milhões de votos. Em 2023, 2 milhões de eleitores se manifestaram pela candidatura da inabilitada María Corina Machado nas primárias da oposição. 

Lembro que, nas eleições parlamentares de 2015, o pleito foi observado pela missão eleitoral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Na ocasião, mais de 14 milhões de venezuelanos foram às urnas. A opositora Mesa de Unidade Democrática venceu com 7,7 milhões de votos, enquanto os governistas do Grande Polo Patriótico tiveram 5,6 milhões. Os resultados foram reconhecidos rapidamente. Hoje, não há Unasul em funcionamento, mas o Brasil e seu presidente recuperam parte do prestígio e liderança para atuar regionalmente, sendo interlocutor necessário para as diferentes colorações políticas da Venezuela.

Após a apuração, o esforço deve ser para que os resultados sejam divulgados no tempo correspondente e que os derrotados reconheçam o vencedor, independentemente de quem ganhe. O reconhecimento internacional de uma possível vitória de Maduro não será automático nem simples, assim como uma eventual vitória de Edmundo González, principal candidato da oposição, exigirá ampla concertação política interna para a transição de governo, cuja posse está prevista apenas para janeiro de 2025.

Passados o exercício democrático do voto e a engenharia política do reconhecimento dos resultados dentro e fora do país, as atenções devem ser postas para a reconstrução da economia venezuelana e a estabilidade duradoura do norte da América do Sul, inclusive da região do Essequibo, reivindicada pela Venezuela. Nesse tempo, será ainda mais importante a participação propositiva do Brasil e a institucionalização da governança regional em temas como infraestrutura e defesa.

*Economista e doutor em integração da América Latina pela USP, pesquisador do Ipea e ex-diretor de assuntos econômicos da União de Nações Sul-Americanas (Unasul)

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