André Mendes Pini — Professor de relações internacionais na UEPB; Daniel Rei Coronato — Professor de relações internacionais da FURG; Gustavo Menon — Professor de relações internacionais na UCB e no PROLAM-USP
A candidatura de Joe Biden à reeleição não resistiu às pressões da mídia norte-americana e da elite do Partido Democrata. Imediatamente após anunciar sua retirada da campanha eleitoral, o atual presidente dos EUA deixou claro seu apoio a Kamala Harris, gerando uma onda de apoio dos principais nomes do partido à atual vice-presidente. Esse movimento também levou a um aumento significativo das doações, que haviam sido modestas durante a campanha de Biden. Como resultado, os democratas demonstraram uma necessária união frente à iminente disputa pela Casa Branca contra um Partido Republicano unificado em torno do projeto político de extrema-direita de Donald Trump.
Harris deve ser confirmada na Convenção Nacional Democrata em agosto. A única dúvida que permanece, de fato, é o nome que será indicado como vice da chapa. Existe uma pressão para a escolha de alguém que possa penetrar em camadas que Kamala teria mais dificuldade, especialmente grupos mais velhos e conservadores. A escolha de um homem com reconhecida experiência deve ser o caminho.
A força de Kamala Harris é a imagem de renovação e rejuvenescimento do Partido Democrata. Sua atuação como ex-promotora certamente será um foco de sua campanha, expondo a condenação de Trump na Justiça. Além disso, seu perfil agrada à base de apoio do partido. Negra e filha de imigrantes, Harris se conecta com o público jovem, o eleitorado feminino, latinos e afro-americanos.
No entanto, ao mesmo tempo em que a candidata converge em torno de si o apoio do partido e do eleitorado democrata, ela pode ter dificuldades para atrair para si os eleitores indecisos. Perante uma sociedade polarizada e um sistema político que favorece a dinâmica bipartidária, as eleições presidenciais nos EUA cada vez mais são definidas pelos eleitores independentes que não se identificam necessariamente com um dos partidos tradicionais. Nessa dinâmica, a rejeição aos candidatos é um fator crucial — assim, a escolha do vice será determinante.
Ademais, Donald Trump não é mais apenas um ideal de mudança, é um projeto político de extrema-direita com um governo de quatro anos no currículo e problemas com a Justiça que se acumulam. Nesse cenário, em que pese o fato de o Partido Republicano ter consolidado uma base de apoio fiel, também suscitou ampla rejeição perante o público independente. Joe Biden se beneficiou dessa situação em 2020 se apresentando como um candidato moderado e, de certo modo, "entediante", o que ajudou a reduzir a rejeição do eleitorado estadunidense e, assim, vencer o último pleito presidencial nos EUA.
Apesar de Kamala Harris ser considerada pela base democrata como uma candidata moderada, seu perfil a torna um alvo potencial para a máquina de fake news e desinformação orquestrada nas redes sociais. Os ataques à atual vice-presidente já começaram na internet, com a base reacionária dos republicanos explorando questões de gênero para deslegitimar Harris, assim como outras questões sensíveis a grande parte do público estadunidense, como uma suposta tendência a adotar políticas migratórias menos rígidas.
O histórico das últimas eleições dos EUA demonstra que não há limites éticos e morais para a exploração de desinformação com objetivos eleitorais, sobretudo por parte de Trump. Dessa forma, pode-se esperar que, nos próximos meses, algumas características de Harris — como seu gênero, sua raça e seu histórico de pais imigrantes — serão usadas contra ela para tentar criar uma ampla rejeição à sua imagem pública.
Donald Trump, mesmo antes de concorrer à presidência de 2016, foi um dos principais entusiastas do chamado movimento Birther, que questionava se Barack Obama havia, de fato, nascido em solo norte-americano. Essa história, claramente classificada como mentira, reverberou na política do país, levando Obama a divulgar publicamente sua certidão de nascimento. Ainda assim, pesquisas apontam que grande parte do eleitorado republicano segue acreditando nessa narrativa, o que demonstra a capacidade das fake news de se consolidarem como supostas verdades perante um amplo público. Deve-se ressaltar, também, que foi justamente a rejeição a Obama que iniciou o processo de radicalização do Partido Republicano, desde a formação do Tea Party até a ascensão de figuras radicais que, paulatinamente, tomaram conta do partido, como Ted Cruz, Marco Rubio e, evidentemente, Donald Trump.
Hillary Clinton, em 2016, também foi alvo de amplas histórias falsas, que exploravam desde questões de gênero até supostos escândalos da família Clinton para deslegitimar a candidata democrata. Assim, presume-se que a campanha de Trump não irá poupar Kamala Harris nas eleições deste ano, com o objetivo de reduzir seu apelo perante o público independente.
A despeito das convergências em termos de política externa entre republicanos e democratas, e o papel do imperialismo dos Estados Unidos no apoio a Israel, nas medidas comerciais contra a China e na questão da guerra na Eurásia, no plano doméstico, a eleição nos Estados Unidos certamente afetará os direitos civis e a posição do país como grande potência global. No âmbito regional, a eleição americana também terá impactos nas próximas eleições na América Latina, podendo fortalecer tendências antidemocráticas ao redor do mundo.