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Razão de humanidade: desafios do mundo contemporâneo

O atual cenário mundial preocupa: ascensão de extremismos políticos, conflitos armados, nacionalismos exacerbados, entre outros fatores a mitigar a convivência harmônica e pacífica entre as nações e os povos nas relações internacionais.

Renato Zerbini Ribeiro LeãoDoutor em direito internacional e relações internacionais, advogado e professor titular do CEUB. Foi presidente do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas entre 2019 e 2021

O atual cenário mundial preocupa: ascensão de extremismos políticos, conflitos armados, escalada armamentista, nacionalismos exacerbados, incremento da desigualdade social, destruição ambiental, ações predatórias contra a fauna e a flora, potencialização de fanatismos ideológicos e religiosos, ascensão do crime organizado, esgarçamento do Estado Democrático de Direito, entre outros fatores a mitigar a convivência harmônica e pacífica entre as nações e os povos nas relações internacionais.

A quadra econômica, política e social contemporânea edifica-se sobre a igualdade soberana entre os Estados, a não ingerência ou não interferência nos assuntos internos de outros Estados, a proibição do uso da força na solução de controvérsias entre os Estados, a solução pacífica de lides entre os Estados, a cooperação internacional e os direitos humanos. Todos esses à luz do Pacto Sunt Servanda, ou princípio da boa-fé, aquele a prescrever que os acordos devem ser cumpridos, ou os pactos devem ser respeitados, no direito internacional e nas relações internacionais, princípios norteadores da convivência humana e de suas formas de organização social no presente século.

Apesar de consolidados ao longo da história da humanidade, os princípios retromencionados foram normativamente positivados, colocados por escrito, na Carta de San Francisco, tratado internacional que cria a Organização das Nações Unidas, vigente desde 24 de outubro de 1945. É certo que o contexto consubstanciador da Carta da ONU responde a uma realidade do imediato pós Segunda Guerra. Portanto, esse documento-chave deve ser atualizado, refletindo a atualidade da sociedade internacional. Contudo, os seus princípios gerais instigadores continuarão sendo os pilares de uma pretensa nova Carta reformada. Pois, se subsiste uma tentativa da construção da eternidade humana, pelo próprio ser humano, tais princípios seguirão sendo o seu alicerce.

As normas internacionais protegem o ser humano em suas dimensões espiritual, física e intelectual. Em consequência, todos têm o direito de desfrutá-las, livremente e sem nenhum tipo de discriminação. O Estado moderno demanda-se laico e democrático. O Estado de direito assim deve ser sobre as bases de três poderes interdependentes entre si: Executivo, Legislativo e Judiciário. Portanto, falácias como nacionalismo, provincianismo, teocracia, superioridades de raças e outras não cabem em um Estado contemporâneo diverso, inclusivo, plural, social e democrático. 

O Estado também serve para legalizar, normatizar e ordenar todos os fenômenos preocupantes. Por isso, por exemplo, a perseguição religiosa acontece quando alguém é impedido de exercer as suas crenças, e não quando se vê inviabilizado de impô-las. As religiões são de fórum íntimo, devem estar e manter-se à margem do Estado e de seus poderes. Sempre quando aquelas balhararam-se com esses, a humanidade põe-se em perigo. No momento, percebe-se também a necessidade de ordenação do desenvolvimento tecnológico e virtual, em consequência de fenômenos como as fake news e de princípios caros aos direitos humanos e à democracia, como o da transparência de informações.

Tais exemplos porque, ultimamente, esses fenômenos e acontecimentos mesclam-se, conspirando contra o Estado Democrático de Direito e o intento de sedimentação da eternidade humana pelo próprio ser humano, por meio de suas ciência e novas tecnologias. A assertiva é a de que ninguém deve se meter na liberdade religiosa de outrem. Contudo, a partir do momento em que esse outro tenta impor a sua religião como norte do Estado, impactando no desenvolvimento de políticas públicas, especialmente sociais, como saúde e educação, isso, então, passa a ser uma intromissão indevida a ser enfrentada como uma razão de humanidade.

A própria Constituição Federal homenageia esses princípios ao afirmar, em seu artigo 1º, que o Brasil é um Estado Democrático de Direito fundado na dignidade da pessoa humana (inciso III), no pluralismo político (inciso V), e ao mandar, no artigo 3º, constituir objetivo fundamental pátrio a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (inciso I), assim como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inciso IV).

 


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