Por Alexandre Nicolini*
No Brasil, temos uma habitual dificuldade de traçar metas, e problemas ainda maiores para alcançá-las. Na educação, principalmente, os desafios são enormes para atingir o que é almejado. Atualmente, apenas 20,2% dos jovens em idade universitária estão matriculados no ensino superior, descumprindo o resultado de 30% previsto na meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE) para 2024. E, como se isso não bastasse, pesquisas do próprio Ministério da Educação (MEC) nos mostram que 40% desses alunos na educação superior pública e 60% no ensino privado vão desistir dos cursos ainda antes da formatura.
Esses dados não são obstáculos à abertura de novas Instituições de Ensino Superior (IES) no Brasil, especialmente do segmento privado, cujo papel fundamental na ampliação do acesso à educação superior no país é incontestável. Mas o ponto nevrálgico da questão se concentra no desempenho das IES brasileiras e da sua contribuição para o desenvolvimento e o sucesso efetivos dos egressos e da própria sociedade. Após 20 anos da criação da lei do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes), o recente anúncio feito pelo MEC de que pretende analisar, em setembro, novas propostas para a avaliação de cursos e instituições ainda enfrenta empecilhos evidentes.
Nas IES que oferecem formação em direito, por exemplo, o número de novos cursos ultrapassou 1.000% nos últimos 30 anos, e já ofertamos em torno de 2 mil cursos no país. O número de matrículas nos cinco anos do curso era de 671.672 estudantes, no último Censo do Ensino Superior. Nossa oferta anual de novas vagas em direito contempla quase a mesma quantidade: 27.461 nas IES públicas e 478.591 nas IES privadas. Mas o Exame da OAB, instituído como obrigatório desde 1997 para avaliar se o egresso está apto a exercer a profissão, aprovou somente 660 mil egressos desde que foi unificado, em 2009. Atualmente, há a mesma quantidade de estudantes nas faculdades de direito, mas, nas últimas edições, o número de aprovados girou em torno de apenas 20%, muitos dos quais fazendo a prova pela segunda ou terceira vez.
Ao analisarmos os dados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) a partir dos requisitos do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), podemos ter um vislumbre dos motivos desse baixo desempenho: com média de 44,8% de acerto nas questões objetivas de formação específica em direito, a maioria das IES não conseguiria aprovação na primeira fase, que requisita 50% de acerto no mesmo tipo de questão, e os formandos só conseguiram ultrapassar esse índice em sete das 27 questões apresentadas. Nas questões discursivas, que mais se assemelham à segunda fase do exame da OAB, houve apenas 19,8% de aproveitamento, contra 60% do que seria requerido pelo órgão, com apenas 1% dos estudantes pontuando mais do que isso nas questões discursivas do Enade.
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Esses maus resultados encorajaram a OAB a instituir em 1999 o Selo OAB Recomenda, para indicar à sociedade as melhores escolas jurídicas. Ele é conferido às IES que cumprem alguns requisitos de elegibilidade, como alta aprovação no Exame da Ordem e um bom resultado comparado no Enade. A edição de 2024 é a oitava e recomendou apenas 198 IES, o que representa menos de 10% dos cursos oferecidos no país.
A boa notícia é que há pelo menos uma IES recomendada em cada unidade da Federação, ainda que em nove delas haja somente IES públicas na lista (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraíba, Rondônia, Roraima e Tocantins). A população das capitais tem vantagem, pois conta com 38% das IES indicadas para apenas 23% da população. As universidades públicas concentram 57% das recomendações, as IES sem fins lucrativos, 23%, e as com fins lucrativos, 20%. As IES dos grandes grupos listados na Bolsa de Valores não alcançaram nem 5% das recomendações, mostrando que seu poderio financeiro não se traduziu ainda em qualidade.
Sendo assim, não adianta elevarmos em 50% a quantidade de estudantes matriculados no ensino superior apenas para cumprir metas, especialmente com a qualidade que 90% dos cursos estão demonstrando. A baixa qualidade das IES que ofertam direito está sendo questionada tanto pela OAB como pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Resta então a pergunta: como o MEC vai estabelecer parâmetros no debate sobre o novo Sinaes para identificar, reorientar e, nos casos extremos, descredenciar as instituições de ensino superior que não merecem a confiança da sociedade brasileira?
*Alexandre Nicolini é educador, doutor em administração e especialista em gestão acadêmica e avaliação da aprendizagem no ensino superior.