Alexandre Cruz*
A promessa de inclusão e justiça social embutida na Lei de Cotas Raciais (Lei nº 12.990/2014) se esvai diante da realidade cruel exposta em um estudo recente da Univasf e do Insper: 70% dos concursos públicos para universidades federais burlam a lei, oferecendo apenas um ou dois cargos por edital, inviabilizando a aplicação da reserva de 20% para negros e pardos.
Essa fraude, além de negar oportunidades a quem mais precisa, corrói as bases da nossa democracia. A educação é pilar fundamental para a construção de uma sociedade justa e plural, e a sonegação de vagas por meio de fracionamentos artificiais impede a ascensão social de grupos historicamente marginalizados.
O impacto vai além da frustração individual. A falta de representatividade nas universidades perpetua a desigualdade estrutural, privando a sociedade de talentos e perspectivas diversas. A exclusão de minorias étnicas impede o desenvolvimento pleno do país, sufocando o potencial de inovação e o florescimento de uma democracia vibrante e plural.
A burla às cotas raciais não é apenas um problema legal, é uma chaga moral que exige medidas contundentes. O Ministério da Educação (MEC) e o Tribunal de Contas da União (TCU) precisam agir com rigor para coibir essa prática nefasta, punindo as instituições que se recusam a cumprir a lei.
A sociedade civil também precisa se mobilizar. É fundamental denunciar casos de fraude e pressionar por uma efetiva implementação das cotas raciais. O futuro da nossa democracia depende da construção de um sistema educacional verdadeiramente inclusivo, em que a meritocracia seja compatível com a igualdade de oportunidades.
A educação é a chave para a transformação social, e as cotas raciais são um instrumento essencial para construir um país mais justo e plural. É hora de defender a democracia e exigir o fim da fraude nas universidades.
Ao mesmo tempo que o Movimento Negro exige o fim da fraude nas universidades, em artigo recente no jornal O Estado de São Paulo, Fernando Reichach defende que as cotas raciais restauraram o racismo. Uma falácia.
Desmascará-la exige analisar seus argumentos de forma crítica e contextualizada. A principal falha reside na distorção da lógica das cotas. Elas não se baseiam na ideia de inferioridade ou superioridade racial, mas, sim, na busca por corrigir desigualdades estruturais e históricas que colocam grupos minoritários em desvantagem no sistema educacional.
É importante ressaltar que as cotas não são privilégio, mas uma medida de reparação histórica. Elas visam equalizar as condições de disputa, permitindo que negros e indígenas tenham a chance de competir em pé de igualdade com aqueles que historicamente se beneficiaram do racismo estrutural.
A alegação de que as cotas "restauram o racismo" ignora completamente essa realidade. Em vez de reconhecer a necessidade de medidas afirmativas para corrigir desigualdades, essa visão propaga uma falsa equivalência entre políticas de inclusão e a discriminação racial.
É crucial reconhecer que as cotas raciais não são uma solução mágica para o problema do racismo, mas uma ferramenta essencial para construir um sistema educacional mais justo e inclusivo. Elas representam um passo importante na árdua luta por uma sociedade verdadeiramente democrática e plural.
Sem oportunidades iguais de acesso ao ensino superior, negros e indígenas enfrentam barreiras adicionais na busca por empregos dignos e ascensão social. Dificultar o acesso dos negros às universidades não só é injusto no âmbito educacional, mas também impede a redução significativa das desigualdades econômicas e sociais no país.
Ao negar às comunidades negras e indígenas o acesso equitativo à educação superior, estamos perpetuando um ciclo de privação e marginalização que se estende por gerações. Sem políticas efetivas de inclusão, corremos o risco de condenar esses grupos a um destino de desvantagem estrutural, minando, assim, os princípios fundamentais de igualdade e justiça que devem nortear uma sociedade verdadeiramente democrática.
Portanto, a luta pelo aperfeiçoamento das cotas raciais não é apenas uma questão de política pública, mas uma batalha pela alma da nossa democracia.
* Jornalista, integra o Comitê em Defesa da Democracia em Porto Alegre (RS), ex-dirigenteda Izequierda Unida em Galapagar (Espanha)