ARTIGO

As falas do presidente

Nos últimos tempos, o presidente Lula tem se mostrado para os brasileiros como aquele sujeito que fala sobre tudo, convencido de saber mais do que todos

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF — jornalista

Nos últimos tempos, o presidente Lula tem se mostrado para os brasileiros como aquele sujeito que fala sobre tudo, convencido de saber mais do que todos. Disserta sobre assuntos variados, com ar professoral, dono de certezas infinitas. As pessoas não contestam para evitar conflitos, mas discordam entre sorrisos. O pessoal do dólar, em vez de reclamar, age. O preço da moeda norte-americana sobe, pressiona a inflação e impede eventual queda da taxa Selic.

Ele falou demais, provocou enorme especulação no mercado financeiro, muita gente ganhou dinheiro e, finalmente, foi obrigado a recuar, depois de ouvir seus principais conselheiros na área. Algum sábio disse que o presidente precisava aparecer mais na mídia. A partir dessa recomendação, Lula começou a dar entrevistas sobre todo e qualquer assunto. Afirmou, por exemplo, esperar desculpas do presidente da Argentina, Javier Milei, "que disse muita besteira nos últimos tempos". Antes das desculpas, não fará nenhum gesto em favor do governo do país vizinho.

Milei afirmou que não pedirá desculpas porque falou a verdade. Ele não vai comparecer à reunião de cúpula do Mercosul e esteve presente numa reunião de líderes da direita internacional em Balneário Camboriú, Santa Catarina. Para completar disse que o presidente brasileiro é um dinossauro imbecil. Palavras nada gentis, completamente estranhas ao linguajar diplomático. Lula, de fato, interveio na eleição argentina e apostou tudo contra Milei. Está recebendo o troco. As economias de Brasil e Argentina, que se complementam, sofrem com o desgaste de seus respectivos presidentes.

 Lula também disse que as mulheres precisam parar de ter filhos. E não se conteve na pregação contra o presidente do Banco Central.  Chegou a dizer que vai nomear para a presidência daquela instituição alguém que considere o Brasil real, e não o país dos banqueiros e do mercado. Ele, aparentemente, não sabe o que o "mercado", essa entidade mítica, é constituído por todos os brasileiros que investem para obter rendimento melhor de seus dinheiros. O trabalhador que deixa seu salário na poupança faz parte do mercado tanto quanto o milionário que procura investimentos rentáveis. De vez em quando, amargam derrotas. Na crise das Americanas muita gente graúda perdeu dinheiro.

Lula sabe ganhar eleições, chegar ao poder, mas, na sua terceira passagem pelo Palácio do Planalto, longe dos antigos companheiros que ficaram pelo caminho, não ostenta a mesma habilidade para pular sobre fogueiras. Critica o Supremo Tribunal Federal, "que se mete em muitas coisas". Diz que não existem negros que possam exercer altos postos na administração federal. Ninguém se beneficia desse tiroteio verbal. Palavras soltas ao vento ofendem. Políticos devem saber que o adversário de hoje é o aliado de amanhã, e vice-versa. O resultado de tantas mágoas resultou em nada. O presidente foi obrigado a concordar com o corte no orçamento federal. Não tinha outra saída. 

Há um dado importante. Lula tem 79 anos. Vai chegar ao final do mandato com 81. Se for eleito para o quarto mandato, terá 85 anos no seu término. O exemplo que vem do Norte mostra que Joe Biden, apenas três anos mais velho, fracassou no debate com seu opositor. Impiedoso na mentira e objetivo na disputa pela presidência dos Estados Unidos. Os democratas cogitam tirar Biden da disputa por causa de sua idade. É a tentativa de vencer a eleição de novembro. Lula não tem sucessores. Seu filho político é Fernando Haddad, professor universitário sem grande contato com a militância petista. É um petista que veste paletó e gravata, e não macacão de fábrica. 

A questão da idade vai ser colocada no momento certo. O problema é quem seria ou será o candidato do PT na eventual impossibilidade de Lula concorrer. Será um grande teste para o partido, que ainda vive nos anos 1970 em termos de economia e política. Os petistas custam a entender a globalização e a economia digital, que substitui cada vez mais o ser humano em tarefas repetitivas, e até em algumas outras inteligentes. Essa perplexidade da esquerda auxilia a direita, que tem base no agronegócio que frutifica na sua relação com o exterior, ou seja, é globalizado. 

Biden tem um substituto ideal. É Kamala Harris, californiana, advogada, negra, vice-presidente que, se escolhida, vai herdar o dinheiro e a estrutura da campanha eleitoral. Lula, se for o caso, deixará para seu eventual sucessor um território conflagrado dentro de um país dividido. O PT não tem hoje a força política e eleitoral de outros tempos. O vento virou na política e na economia. As opiniões descoordenadas e desinformadas do presidente só contribuíram para aumentar o desgaste do partido e abrir brechas para o avanço da oposição.

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