» JOSÉ PASTORE — Professor aposentado da Universidade de São Paulo, presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomercio-SP e membro da Academia Paulista de Letras
O surgimento do chatbot GPT agravou a ansiedade das pessoas em relação ao futuro do emprego. As previsões têm sido catastróficas. Divulga-se que a inteligência artificial (IA) substituirá o ser humano numa imensidão de tarefas — muito mais do que fazem os robôs. Diz-se que a IA destruirá grande parte dos empregos de classe média, aumentando ainda mais a desigualdade.
Um dos estudiosos que defenderam essas ideias durante muito tempo, David Autor, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos traz agora ventos de esperança. No seu último paper, ele diz que a própria IA ajudará a resolver o problema que ela mesmo vai criar no campo do emprego. Isso porque a IA, em especial os chatbots, como o GPT, permitirão às pessoas fazerem milhares de perguntas e obterem milhares de instruções que as capacitem para realizar novas tarefas.
No momento, isso é incalculável, porque a IA está na infância. Mas, diz ele, esse será o método mais eficiente de ensino nas próximas décadas, com um impacto jamais imaginado pelos seres humanos. Há 20 anos, ninguém acreditava que haveria milhares de cursos propelidos pela internet como ocorre hoje. Os chatbots ensinarão muito mais porque oferecerão oportunidades de diálogos aprofundados a quem deseja aprender.
O aprendizado com base na IA será usufruído não apenas pelas elites, mas, sobretudo, pelos trabalhadores das classes média e baixa. Nesse sentido, a IA democratizará o ensino e colaborará para melhorar a qualidade da força de trabalho.
É claro que não se espera a formação completa de um médico ou um engenheiro nessa base. Mas mesmo esses profissionais obterão da IA a possibilidade de aprender novos métodos da sua profissão de forma rápida, contínua e segura. Isso deve ocorrer também com os advogados, educadores, administradores e muitos outros profissionais. Com isso, a IA ajudará a melhorar a qualidade da força de trabalho, inclusive dos que não passaram pela educação superior, o que alavancará a produtividade, reduzirá custos e preços, ampliando o acesso da população mais pobre a bens e serviços hoje inacessíveis.
David Autor oferece um exemplo emblemático: nos Estados Unidos, os preços no campo da saúde subiram 200% nas últimas quatro décadas. Um dos componentes dessa subida de preços é a escassez de profissionais que realizam interpretações nesse campo. A IA tem o potencial para capacitar milhares de pessoas e, com isso, derrubar o custo e o preço desses serviços. Com a ajuda da IA, esses profissionais poderão diagnosticar, prescrever e tratar doenças a baixo custo. Será um grande alívio para as famílias mais pobres e para os operadores de planos de saúde.
É claro que a IA não dispensa o ser humano — em especial, o bem formado. Mas ela aumentará a capacitação das pessoas, o que, por sua vez, ajudará o desenvolvimento dos menos capazes. Será o mundo da capacitação em massa. David Autor defende que a IA ajudará a reconstruir ou construir uma nova classe média.
Deixei para o fim a parte preocupante. A aprendizagem via chatbots acionados por IA requer um mínimo de habilidades com a linguagem, a lógica e o bom senso — habilidades que se aprende na família e na escola. No Brasil, isso se choca fortemente com o problema de baixa qualidade da maioria das escolas de ensino fundamental e médio. Ou seja, para se tirar vantagem da IA, teremos de avançar muito na educação convencional que, como diz David Autor, pode ser ajudada pela própria IA.
São previsões arrojadas, mas bem fundamentadas. Tenho fé nelas. Quem viver verá.