Fábio Henrique de Sousa Macedo — presidente da Federação Nacional dos Auditores e Fiscais de Tributos Municipais (Fenafim), Francelino Valença — presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco)
A aprovação da Reforma Tributária sobre o consumo causou euforia no mercado, um otimismo quase desenfreado por parte de alguns gestores públicos e trouxe um sentimento de modernização do sistema que embalou até os mais céticos. Contudo, após o êxtase, a necessária regulamentação tem apresentado algumas adversidades — entre elas, o risco do abalo nas finanças dos entes subnacionais em decorrência do ataque ao princípio constitucional da eficiência.
Para alcançar os objetivos do pacto social firmado no fim do século passado, foi realizada uma reforma administrativa em 1998. A reforma visava introduzir no ordenamento constitucional mudanças para reestruturar o Estado e redefinir seu papel e forma de atuação, buscando um equilíbrio duradouro. Entre as mudanças, destaca-se a introdução do princípio da eficiência na administração pública, beneficiando, como esperado, a sociedade.
A Reforma Tributária sobre o consumo irá promover uma considerável redistribuição de receitas entre estados e municípios em virtude do acertado critério de partilha do imposto sobre bens e serviços (IBS), que passa da origem (onde se produz) para o destino (onde se consome). Para atenuar os impactos nos orçamentos dos entes federados que perderão recursos, foi proposta uma transição da partilha das receitas, sendo retido inicialmente 90% da arrecadação do IBS de todos os entes subnacionais para dividir por um critério que deve observar a arrecadação anterior dos impostos atuais.
Ainda durante a tramitação da proposta que viria a se tornar a Emenda Constitucional 132, o Tribunal de Contas da União (TCU) elaborou um relatório sobre esse conteúdo, a pedido do Senado Federal, em relação à participação dos municípios menos populosos na fiscalização do novo IBS. O TCU foi enfático ao afirmar que há um desincentivo para esses entes fiscalizarem e arrecadarem seus próprios tributos, pois recebem de repasses de outras esferas de governo em torno de 90% de todos os seus recursos.
Infelizmente, a proposta apresentada pela Secretaria Especial da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda para a transição federativa das receitas abandonou a ideia debatida no Senado de estimular a eficiência das administrações tributárias, contrariando notadamente o princípio constitucional da eficiência. O texto apresentado coloca quase todos os entes federados dependentes de repasses consideráveis do Comitê Gestor, órgão central arrecadador do IBS, em situação semelhante à dos pequenos municípios, que não fiscalizam nem arrecadam seus próprios tributos por ter garantido 90% de sua receita.
A reversão desse temeroso cenário, caso se concretize, deverá levar décadas. E o risco efetivo de queda de receita repassada para todos é considerável. Prenuncia-se o efeito free-rider, quando parte de um grupo se aproveita do trabalho dos demais e não contribui para o esforço coletivo, como apontado pelo TCU.
Com a materialização da queda de repasses na transição, os entes federados deverão estabelecer e aumentar suas alíquotas do IBS para repor as anunciadas perdas. Em consequência desse movimento, o Senado, forçosamente, acionará o dispositivo constitucional que limita a carga tributária nacional, reduzindo as alíquotas de referência do IBS, o que acarretará uma retenção menor dos entes para a partilha de repasses da transição.
É imprescindível e urgente estabelecer mecanismos que considerem o bom desempenho das administrações tributárias para o perfeito funcionamento do novo sistema a ser efetivado, privilegiando o princípio da eficiência, proporcionando uma melhora das finanças públicas para os entes mais bem estruturados, sem prejudicar aqueles que poderão perder contribuintes em virtude dos rearranjos econômicos em decorrência da Reforma Tributária.