Finanças

Portabilidade de dívidas no cartão: uma nova arma na concorrência bancária

A portabilidade de dívidas no cartão, apesar de ser uma medida paliativa, pode despertar tino no contribuinte, que terá às claras o que lhe é cobrado pelas empresas bancárias

Fernando Lamounier — Administrador e especialista em educação financeira

O Brasil, historicamente, estipula taxas de juros exorbitantes aos seus credores. A dívida pública está em 75,7% do Produto Interno Bruto(PIB). Essa é a consequência de pedir dinheiro ao Banco Central (BC), gerando encargos com a instituição. A crise que houve na inflação norte-americana fez com que o Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), no início de 2024, estivesse em 13,75%, um dos maiores do mundo. Atualmente, está em 10,5%. Isso interfere diretamente na relação com os bancos, que triplicam essa porcentagem, fazendo com que as taxas cheguem a 30% ou 40% do valor cobrado. Esse é o spread bancário de muitas empresas desse segmento. Uma medida, contudo, promete aliviar um pouco a vida de alguns devedores. 

Desde esta segunda-feira, 1º de julho, brasileiros que têm dívidas no cartão de crédito poderão fazer gratuitamente a portabilidade do saldo devedor para outra instituição financeira. A Lei nº 1.4690/2023, disciplinada pelo BC e pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), é transparente quanto às faturas cobradas do cidadão. Haverá um setor de destaque pelo qual as informações mais importantes serão balizadas.

Deve haver um acordo entre endividado e entidade. É necessário que se suceda a ambas as partes benefícios nas transações. Afinal, os bancos têm direito a rejeitar a proposta. Não há garantias. Entretanto, essa possibilidade vem sob uma forma mandatória e impositiva para todo o mercado cumprir a partir deste mês.

Certamente, as instituições financeiras estarão à prova, uma vez que ficará cada vez mais evidente, mais transparente, os custos totais dessa operação do cartão de crédito. Tais atividades podem chegar a mais de 400%. Regular-se-á, por meio dessa lei, a situação que é abusiva por parte dos grandes bancos diante do consumidor brasileiro. Será colocado à prova o custo que é repassado aos clientes. E todos os que não estiverem satisfeitos com o que lhes for apresentado poderão franquear suas dívidas à concorrência, com a qual poderá haver negócios para levar-lhes os passivos. 

Certamente, isso vai gerar um aumento de competitividade, fazendo com que os bancos duelem por clientes, uma vez que o pagamento de juros é  a principal fonte de renda dessas instituições. Por não querer perder esses clientes, precisará ser validada uma redução de custo, fazendo com que as pessoas tenham um poder de barganha maior para trabalhar com o setor financeiro. Deve haver ciência do verdadeiro gasto que está sendo pago em cada uma dessas operações. 

A portabilidade gratuita das dívidas em cartão de crédito pode ser, sem dúvidas, uma possibilidade para reduzir os dispêndios destinados à administradora financeira original daquela dívida. Tentar levar isso para outra instituição permite que haja, dentro da sua régua de relacionamento e da sua estratégia de negócios, um custo menor daquela mesma dívida. Na mão da proposta feita pela outra instituição, o cliente pode ainda barganhar com a original e tentar uma redução de seus débitos.

Então, esse é um benefício direto por meio de uma medida do governo federal para tentar promover competitividade do setor. Acirra-se a disputa entre os que querem ficar com essa dívida. Obviamente, analisa-se o custo com risco que ele tem originalmente.  

Porém, essa mudança não surtirá efeito direto de negociações significativamente melhores, porque, infelizmente, todos os bancos aplicam uma taxa de juros muito alta. Mas, pelo fato de haver mais transparência e de promover mais consciência do cidadão que usa o cartão de crédito para pagar as contas essenciais do dia a dia, é um grande avanço. A primeira forma para mudarmos uma realidade que não está boa é por meio da consciência e do conhecimento quanto ao que está acontecendo, e essa medida do BC, inegavelmente, nos lança esse alerta.

O Brasil tem entranhado em sua economia o rentismo, que drena boa parte de seus recursos da população pagadora de impostos. A portabilidade de dívidas no cartão,  apesar de ser uma medida paliativa, pode despertar tino no contribuinte, que terá às claras o que lhe é cobrado pelas empresas bancárias. É necessário que haja regulamentação em alguns setores, uma reforma, para que a estrutura das cobranças seja, de fato, alterada em prol do consumidor. Taxação de dividendos é uma das hipóteses. Outra é aplicá-la à renda dos mais ricos, poupando ou gerando mais proporcionalidade nas expensas dos mais pobres.

Enfim, toda reforma tem um princípio: não há por que renunciarmos a essa nova alternativa sem nos contentarmos com a luz que se apresenta no fim do túnel. Para o cliente, tal benefício trará clareza e melhor administração das finanças.

Mais Lidas