Caio Frederico e Silva — Arquiteto e urbanista, diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB, Ricardo Meira — Arquiteto e urbanista do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-DF), José Leme Galvão Junior (Soneca) — Arquiteto e urbanista, representante do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-DF), Benny Schvarsberg — Arquiteto e urbanista, professor da Faculdade de Arquitetura da UnB.
Brasília é patrimônio histórico e cultural, valorizado não só pelos brasilienses, mas também pelos brasileiros e estrangeiros que a visitam. Reconhecida como Patrimônio da Humanidade, Brasília é o único exemplar de arquitetura e urbanismo modernos a ser preservado para as gerações atuais e futuras. O modelo de tombamento urbanístico da cidade garante que escalas monumental, residencial, gregária e bucólica sejam preservadas, sem limitar ou impedir sua complementação e atualização permanente.
Nesse contexto, o recém-aprovado Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) permite alterações que impactarão fortemente as diversas escalas da cidade. Em tempos de mudanças climáticas e urbanização acelerada, Brasília deve manter seu compromisso com a sustentabilidade, a qualidade de vida e a preservação da sua natureza. Nesse sentido, arquitetos e urbanistas, profissionais que projetam, transformam e melhoram a cidade, fazem um apelo para que a população conheça os pormenores do PPCUB e cobre dos gestores que incorporem melhorias para a cidade, evitando a deterioração do seu futuro.
À medida que o mundo enfrenta desafios crescentes relacionados às mudanças climáticas, as cidades precisam adotar práticas de planejamento que não apenas minimizem seu impacto ambiental, mas também promovam uma resiliência a longo prazo. Vemos que Brasília, a partir da sua concepção original por Lucio Costa, tem extensa rede de áreas verdes e espaços abertos, sendo um exemplo de urbanismo sustentável. Manter essa visão é crucial para que a cidade continue sendo esse modelo de resiliência urbana que promove bem-estar e conexão com o meio ambiente.
Quanto à integridade da paisagem urbana e a preservação do patrimônio, o processo de verticalização na área tombada não pode desvirtuar a escala gregária e bucólica de Brasília. Alertamos que alterações significativas na morfologia e nos princípios de planejamento urbano das áreas centrais ou nas margens do Lago Paranoá devem ser conduzidas por meio de projetos sensíveis, frutos de concursos públicos de arquitetura, tal qual Brasília foi concebida, visando garantir e potencializar a qualidade urbana e ambiental da cidade.
Reforçamos que as áreas verdes de Brasília são fundamentais para manter a qualidade do ar, reduzir as ilhas de calor e proporcionar espaços de lazer para a população. Qualquer redução dessas áreas, direta ou indireta, seria um passo atrás nos esforços de sustentabilidade urbana. Além disso, o aumento da densidade e da altura dos edifícios implica uma maior pressão sobre a infraestrutura existente, incluindo transporte, saneamento e serviços públicos. Devem ser evitados adensamentos nas margens do lago, buscando mitigar os impactos da urbanização, e deve-se buscar estratégias de regeneração urbana.
Brasília não deve reforçar os processos de gentrificação e exclusão social. A título de exemplo, a possibilidade de dinamizar os parques com a introdução de restaurantes e instalações comerciais, sem um projeto coordenado com as demandas da população, pode comprometer a tranquilidade e a função ecológica do parque. A mercantilização dos espaços verdes públicos deve ser abolida para não comprometer a integridade ambiental e a experiência natural oferecida por esses espaços. Outro exemplo negativo é a permissão que atividades comerciais sejam inseridas nos lotes do Setor de Embaixadas, o que pode comprometer a função diplomática da área.
Em um momento em que as cidades ao redor do mundo estão sendo desafiadas a adaptar-se às realidades das mudanças climáticas e da urbanização acelerada, Brasília deve se posicionar como referência de resiliência urbana, fato que está em sua gênese. As autoridades locais, em colaboração com os arquitetos e urbanistas e demais profissionais envolvidos com a cidade, precisam garantir que cada passo dado seja em direção ao respeito e à preservação da essência de Brasília.
As críticas apontadas ao PPCUB estão ancoradas em premissas fundamentais. A preservação de um bem cultural, que garante a proteção e sua conservação, impõe que, uma vez protegido, não cabem interpretações fora do âmbito institucional de quem o tombou ou protegeu. Sabemos que existem diversas possibilidades e estratégias de conservação que devem necessariamente garantir a integridade das arquiteturas, das infraestruturas, das áreas verdes, da acessibilidade e mobilidade, enfim, das qualidades reconhecidas que integram o ambiente urbano do bem tombado. Sabemos que tombar ou proteger um bem é tarefa complexa, e mais ainda é conservar, justamente porque daí decorrem intervenções que visam conservar, mas serão sempre intervenções.
Por fim, é necessário defender firmemente que a cidade de Brasília continue a ser um bom exemplo de urbanismo preservado. A atuação responsável dessa categoria profissional é essencial para assegurar que qualquer desenvolvimento urbano seja realizado de maneira responsável e em harmonia com os princípios de preservação ambiental e cultural. Para discutir os desafios impostos pelo PPCUB, haverá um debate no Auditório Jayme Golubov da UnB, no próximo dia 10, às 18h, no Campus Darcy Ribeiro, com a participação de representantes do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-DF), do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-DF) e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU-UnB). Todos estão convidados para contribuir com o futuro sustentável de Brasília.